quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Minha Lesbiandade: A.R

Esse é o quarto texto da série "Minha Lesbiandade" onde as autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade



Eu não sei como começar um texto sobre como me descobri lésbica, afinal, é muito difícil remexer no passado, principalmente quando passamos por tantos processos dolorosos até nos descobrirmos. 

Pois bem, vou começar pela minha primeira paixão: minha melhor amiga de infância. Acho que eu tinha uns 8-9 anos quando ela pediu para me ensinar a beijar, porque, segundo ela "quando você der o seu primeiro beijo, você tem que saber como se faz". E, bom, eu deixei. E eu gostei muito e isso me deixou com muito medo. Mas porque uma criança teria medo de ter gostado de um simples beijo? Eu cresci no centro espírita e, ao contrário do que a maioria pensa, eles não são tão "homofriendly" como pensam. Na verdade é como qualquer outra religião cristã, mas não é sobre isso que vim falar, isso fica para próxima. Bom, o fato de eu ser espírita na época influenciou: eu achava errado ter gostado e me sentia suja. Repetimos o beijo algumas vezes depois, éramos crianças, sabe, mas eu já me sentia culpada e implorei para ela nunca contar isso a ninguém. E ela, até onde eu sei, nunca contou. Entretanto, eu nunca esqueci disso e cresci fingindo que esse beijo nunca tinha acontecido. E como eu acreditava ser correto, me forcei a diversas relações com homens para me curar. 

Eu me interessava pelas minhas amigas e fingia que era pura fantasia da minha cabeça, coisa de menina. Isso passa. Na verdade, o que passou foi minha paciência de fingir ser o que eu não era. Passei por 3 namoros com homens e, a cada um deles, eu saía mais traumatizada. Mais crente de que alguma coisa estava errada comigo. Eu não amava nenhum deles, não sentia nada por nenhum deles, o que eu gostava era de conversar com eles, mas isso não caracterizava bem um namoro. Tinha que ter namoro e... É, isso aí que você pensou. E não foi nada legal isso. Nenhum pouco. E nem sempre era consentido. Até que eu quase explodi. Meu último relacionamento com homem calhou de acontecer quando eu estava conhecendo o feminismo e, o que mais me chamava atenção era ler e ouvir sempre que não era um crime ser lésbica, que heterossexualidade era compulsória e etc. Que eu não era heterossexual eu já sabia, só não conseguia aceitar que eu era lésbica.

Então, preferi fingir que era bissexual e continuar no meu "relacionamento". E isso não deu nada certo. No meio desse relacionamento, eu me apaixonei por uma moça e isso me fez repensar tudo, e eu, aos poucos, aceitei que não adiantava mais eu me forçar a algo que eu não queria, não adiantava eu fingir que o meu primeiro beijo não tinha me feito perceber que eu gostava de meninas. Então eu terminei meu "relacionamento" com aquele cara. Depois disso, se deu todo um processo de auto-aceitação. Eu não conseguia me aceitar, era difícil de compreender que eu era diferente daquilo que meus pais esperavam, que eu não me casaria numa igreja de véu e grinalda com um homem, como eles imaginavam que um dia aconteceria, que eu nunca sentiria atração por um homem porque eu não era heterossexual. Que eu não era o que a sociedade esperava de mim. Com o tempo, e isso demorou meses, eu fui me aceitando e criando coragem para contar aos meus pais que eu era lésbica, mas foi numa discussão sobre isso que eu contei para minha mãe. Ela já estava desconfiada e eu não aguentei a pressão. Depois, no meio do ano seguinte, eu contei pro meu pai após voltar a morar com eles devido a uma experiência desastrosa morando fora de casa. E minha irmã sempre soube, então isso nunca foi novidade para ela, eu nem precisei falar que não era bissexual e sim lésbica, pois ela mesma percebeu (beijo criaturinha). 

Não foi fácil passar por tudo isso, nunca é, mas finalmente eu assumi quem eu realmente sou. E desejo que todas que sejam lésbicas consigam o mesmo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Lésbicas: aprendam a ver a si mesmas

A primeira coisa que lésbicas têm que aprender é a ver: ver a si mesma e as outras; reconhecer suas iguais e todos os perigos da própria existência: a primeira coisa que lésbicas têm que aprender é a ver.

Somos invisíveis porque o patriarcado insiste em ver através de nós; porque repugnamos ao nos amar enquanto todo o mundo nos odeia. Se ser mulher é aceitar ódio com discurso de amor, ser lésbica é amar e ser amada enquanto o patriarcado estabelece todo um arsenal de mecanismos punitivos.

Desemprego, estupro corretivo, violência lesbofóbica, marginalização, falta de assistência médica, loucura, solidão, baixa estima.

Ser lésbica é dor pura, antes de se aprender a ver. Visão estabelecida, surgem tantos sorrisos quanto são possíveis. Sorriso e paranóia. As ruas não são seguras. Olhamos para todos os lados antes de cada passo para antecipar os ataques que estão por vir. Ou usamos o escudo da invisibilidade na ciranda normatizada e aceitamos as ameaças do assédio violador a cada passo dado.

Há a ilusão de aceite ao se abraçar a feminilidade. Mas ela garante a solidão da lésbica invisível e os perigos da assimilação heterossexual: o abandono da cultura e da ética separatista; a reprodução da misoginia masculinista e dos padrões de relacionamentos heterossexuais; a a auto tortura em rituais de “beleza” que plastificam e reduzem a existência da mulher à sua estética e à atenção masculina. Isto, também temos que aprender a ver e a sentir.

Espaços separatistas lesbofeministas criam a seguridade e a possibilidade de se escrever nossos próprios paradigmas de relacionamentos. Nós não precisamos do amor romântico e do ciúme doentio que controla e cerceia. Nossas relações são outras e nosso fundamento base é amizade e respeito. Alterar estas relações a partir do sequestro lésbico pela norma heterossexual é oferecer a todas as mulheres presas no estolcomo da heterossexualidade compulsória a possibilidade de ter a mesma relação abusiva que a masculinista, sem desfrutar dos privilégios sociais estabelecidos no contrato heterossexual.

A assimilação lésbica pela heterocultura faz parte do plano de aniquilação patriarcal da rebeldia lesbiana que é inconciliável com os paradigmas patriarcais. Por isso parece tão necessário nos manter vendadas e entusiastas da cultura e da atenção masculina.

Círculos de amizades masculinas, imitação da postura sexualmente agressiva por busca de aceitação e auto afirmação, consumo de música, literatura e arte masculina, socialização em ambientes mistos, aceite da violência masculinista como algo natural e não intencional, aceite da dicotomia butch/femme e reprodução de papéis sexuais em formato da noção inventada de gênero, diminuição da identificação pessoal com a categoria lésbica, aumento de empatia à classe dos homens, transição de gênero com o uso de hormônios masculinos e a reprodução de violências heterossexuais, incluindo o sexo violador, transição de gênero incluindo cirurgia de mutilação corporal, busca de relacionamentos heterossexuais com mulheres heterossexuais; aceite de relações heterossexuais com homens que se dizem mulheres, incluindo o estupro que o PIV constitui, o isolamento, a gravidez, os surtos de violência, a completa absorção do ideário colonizador do homem heterossexual reacionário, que a coloca em papel de sexo feminino com um papel de embrulho de masculinidade. 

O abandono de si mesma para caber nos rótulos dos próprios agressores; o abandono de si mesma para sentar à mesa e apertar a mão dos colonizadores; o abandono de si mesma para acreditar estar ao topo enquanto se é esmagada pelos que realmente estão.

A primeira coisa que as lésbicas têm que aprender é a ver.

E ver o invisível nem sempre é uma missão possível. Pintemos todas nossos corpos e nossas comunidades em néon e façamos um futuro existente e resistente para nós e nossas iguais.

Que seja impossível não ver.

Por: JLo Borges

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Minha Lesbiandade: Terceiro Texto

Este é o terceiro texto da série "Minha Lesbiandade"cujas autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade, por questões de segurança e de conforto, a equipe do blog deixou em aberto para que as mulheres convidadas pudessem optar pelo anonimato, pois bem, respeitando a opção da autora, estamos colocando como anônima. 



Conscientemente, eu me vi atraída por uma mulher a primeira vez aos 13 anos. Muitos anos antes de que eu reconhecesse como lésbica. Conheci Jéssica na escola e ela foi a primeira pessoa que eu conheci na vida que admitia já ter se envolvido com alguém do mesmo sexo. Lidar com aquela informação me trouxe um misto de susto com curiosidade. Mas muito antes de me apaixonar pela Jéssica, ou de perceber qualquer tipo de atração que eu tivesse por ela, eu tinha nela uma grande amiga. 

E dessa amizade surgiu um afeto maior, uma admiração mais intensa, uma vontade enorme de estar perto a todo o momento e por fim, a certeza de que pela primeira vez na vida eu estava apaixonada por uma mulher. 

Carreguei esse sentimento por mais de um ano sozinha, sem coragem de falar com absolutamente ninguém. Nem uma amiga, muito menos algum familiar, ou quem quer que fosse. Não foi algo que eu aceitei muito bem, não era algo que seria visto com bons olhos pelas pessoas do meu convívio social. 

Depois desse ano, veio uma fase de confissão. Continuávamos boas amigas que sentiam uma pela outra muito mais que amizade. Foi com Jéssica também o meu primeiro beijo com uma garota, já com meus 14 anos. E foi ali naquele beijo que eu encontrei a certeza absoluta da minha atração por mulheres. Já tinha me envolvido com alguns garotos anteriormente. Mas o que eu senti naquele beijo com a Jéssica não deixava espaço para qualquer dúvida sobre parte de quem eu era ou sobre o que eu realmente sentia. 

Essa convicção não veio acompanhada de aceitação. Foi o período que deu início à maior batalha interna que eu passei na vida. Não podia me permitir isso, fui ensinada desde que nasci que uma mulher foi criada para se casar com um homem. Essa é a norma, e qualquer coisa que fuja disso é aberração. É sujo, é pecado. 

Sou nascida e fui criada em uma igreja evangélica batista, bastante tradicional. Lembro que a primeira vez que eu ouvi que ‘homossexualismo’ é um pecado gravíssimo foi aos sete anos de idade, muito criança. Aquela informação veio, mas nunca consegui entender muito bem o porquê. Na adolescência essa tecla era batida com mais intensidade. Todos a minha volta faziam questão de deixar muito claro como é asqueroso duas pessoas do mesmo sexo se envolvendo afetivamente. 

Jéssica é uma lembrança que eu guardo com muito carinho. Primeira paixão lésbica, primeiro beijo lésbico. Nos relacionamos por um breve período de tempo, passou. Conheci algumas outras garotas, passaram também. Até me deparar com aquele momento que a consciência começa a pesar e comecei a me cobrar uma postura coerente com o que me ensinaram, postura essa que até então era a que eu acreditava. Chega de mulheres na minha vida. Comecei a lutar fortemente contra esse desejo, contra essa vontade. Acabei me afastando de várias amizades porque ‘do pecado você não se arrisca, do pecado você precisa fugir’. 

Conheci um rapaz nesse ponto da minha vida. Estava com uns 16 anos. Namoramos. Apresentei para os pais. Eles ficaram muito felizes de ver a filha se envolvendo com um bom garoto. Tinha a bênção dos pais, tinha o reconhecimento dos amigos e conhecidos da igreja. Nos viam como um belo casal onde quer que nós passássemos. Felizmente para mim, não chegamos a ter nenhum envolvimento sexual. Ainda com ele, conheci uma garota. Todo aquele sentimento voltou, aquela falta de me reconhecer estando com um homem ficou ainda mais evidente. Não demorou muito para que esse namoro acabasse e eu me envolvesse com outra mulher. 

Aquela sensação de culpa veio logo depois. Não podia estar me envolvendo com uma mulher novamente. Não podia acreditar que esse sentimento ainda perdurava. Decidi novamente tentar parar isso na minha vida. Procurei um rapaz na igreja e me abri com ele. Expliquei minha situação e pedi ajuda. Ele prontamente se dispôs a estar comigo nessa jornada. Disse que deus tinha algo muito maior na minha vida (entenda-se, um homem). Tudo o que ele me pedia pra fazer, eu me dispunha de coração. Passei por todas os clichês cristãos para pecadores. Muito jejum, oração, processos de cura, libertação, desconexão de alma. Tudo o que me prometia cura desse desejo eu me prontificava a fazer. E fazia com muita intenção de que desse certo.

Meio óbvio dizer que não deu certo. Passei 2 anos da minha vida sendo acompanhada por esse ‘guru amigo’. E me envolvi com uma moça da igreja mesmo. Rute o nome dela. Era filha de pastor. Já a conhecia há mais de 10 anos. E nos aproximamos. Nos envolvemos. Nos apaixonamos. Tivemos uma relação que durou um bom tempo. E foi com ela que ‘me arrancaram’ do armário. 

Contaram para os meus pais da nossa relação. E quando eles me questionaram a veracidade disso eu percebi que estava exausta de me esconder, de fugir de mim, de tentar mostrar pro mundo uma pessoa que eu nunca fui. E foi ali que eu falei ‘é verdade sim, mãe. Eu sou lésbica e estou em uma relação com uma mulher’. Foi libertador. Não foi um momento de assumir que eu era lésbica para os meus pais. Foi o momento que eu assumi para mim mesma. E foi uma sensação inesquecível, única, nunca me esquecerei. 

Não fui bem aceita na família, fui expulsa da igreja, vários grandes amigos que eu tinha nunca mais olharam na minha cara. Mas nada, absolutamente nada vale mais que a leveza que eu sinto hoje por poder ser que eu sou sem ter que esconder de ninguém. Sem sentir vergonha ou culpa do fato de amar mulheres. 

Tenho, finalmente, orgulho de ser quem sou.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Minha lesbiandade: Lorena


Este é o segundo texto da série "Minha lesbiandade", cujas autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade. O texto a seguir é de Lorena, 22 anos, carioca.


Bem, a descoberta da minha lesbiandade foi aos 14 anos. Eu ja tinha beijado homens mas nunca senti nada de mais, e sempre quis beijar mulheres, até que conversei com uma colega da escola e ela era bi, ficamos e logo em seguida transamos, perdi a virgindade com ela. Meus pais descobriram e foi um inferno, meu pai disse que me preferia morta do que lésbica, minha mãe não era contra nem a favor. Depois a condição deles era que eu fosse, mas longe, sem a família saber e sem me expor. 

Um dia contei pra uma prima que eu julgava confiável, mas ela contou pra uma parte da família e meus pais me tiraram tudo: celular, internet, roles. Começaram a dizer que não levavam a sério pq eu não tinha nem transado e nem me relacionado sério com homens. Caí nessa chantagem e acabei ficando com um cara. Mesmo que durante o tempo em que eu estava com ele eu tenha me apaixonado por outras mulheres, eu achava que tinha que seguir tentando fazer daquela ilusão algo bom e real. Acabei engravidando sem querer e, com aproximadamente 6 meses da minha filha, eu vi que tava infeliz demais pra continuar me negando daquele jeito. Terminei e me assumi. 

Meu pai não fala mais nada, minha mãe me apoia, assim que contei que tinha terminado ela disse que sabia que eu ia me assumir, que ela só queria me ver feliz, e ela sabia que eu não estava antes. Comecei a namorar e, quando me senti segura, coloquei no Facebook, assim a família toda soube de uma vez. Ninguém fala nada, pelo menos não para mim. 

No fundo, mesmo com um homem, eu sempre soube, desde aquele primeiro beijo naquela primeira garota, que eu era(sou) lésbica, eu só tentei fugir de mim mesma sabe? Eu achei que se eu enganasse os outros conseguiria me enganar também, mas, não. Não da para viver assim, não da MESMO. Depois que eu aceitei que era(sou) lésbica eu sinto que tirei um peso das costas. 

Hoje em dia eu sou feliz, apesar do medo do mundo em que vivemos, dou a cara a tapa todo dia e não nego mais quem eu sou. 
Não tem nada melhor do que isso. 
Sigo resistindo. 

Lorena, 22 anos, feminista radical.

sábado, 1 de outubro de 2016

Minha lesbiandade: Isabel


Esse é o primeiro texto, de uma série, que fala sobre a descoberta de mulheres lésbicas. Esse é de Isabel, 22 anos, carioca.


Não é um processo simples falar da minha lesbiandade. Em alguns momentos sinto dor, noutros saudade, e vou deixando para me emocionar em dias que estarei mais preparada, dias esses que nunca chegam.
Há sempre como tratar esse processo de forma coletiva ou individual, e todos esses anos optei por tratar de forma coletiva, o que me ajudou a enxergar inúmeras coisas. Hoje vou falar de forma individual sem saber muito bem o que me espera no final dessa escrita. 


Costumo dizer que a minha lesbiandade me define muito mais do que consigo enxergar. Sim, a minha lesbiandade e as respostas sociais à ela foram o que me trouxe onde estou hoje.
Não vivi uma descoberta repentina, mas um processo dolorido. De fato, não tão dolorido e complexo como muitos casos que ouço e vejo, mas não escondo a dor que foi e que é ser lésbica nessa sociedade.
Sempre tive uma grande dificuldade de tratar esse tema sobretudo porque não houve no meu caminho um ponta pé inicial para eu me enxergar enquanto lésbica. 
Prefiro falar focando a partir do momento em que me vi como uma mulher que sentia atração por outras mulheres, mas sem deixar de lado ou questionar qual processo existiu quando achei que estava apaixonada pela primeira vez por uma amiga, aos 11 anos.
Foi quando me sentei pela primeira vez com alguém para dizer "eu gosto de meninas". Foi um processo natural e felizmente sem cobranças, pelo menos naquele momento. 
Com 12 anos isso já não era mais segredo para minhas amigas... 
E também com 12 anos me apaixonei. Era uma paixão de Internet, e talvez justamente por não entender muito do que estava acontecendo, me deixei levar. O nome dela era Juliana, e até os 18 eu fui apaixonada.
Faz anos que não falo com Juliana, e apesar disso, o apresso é imenso. A cada foto que aparece, um suspiro denso, como se fosse religião.
Minhas primeiras e melhores poesias foram e serão sempre pra ela. Foi com ela que eu comecei, dos pensamentos mais ralos, a entender minha lesbiandade. O apresso e admiração agora estavam acompanhados por desejo, amor e vontade.
Mas não só com ela me senti assim, e aos 14 dei meu primeiro beijo e transei com uma mulher. O primeiro beijo não foi a minha comprovação, foi o meu primeiro recanto. Foi nele que encontrei pela primeira vez alguém que era como eu, em que me senti cuidada e protegida, em que me senti igual. Meu primeiro sexo não foi diferente. Antes com a responsabilidade de agir conforme a pornografia -primeiro local que eu encontrei algo sobre a minha sexualidade-, naquele momento tudo foi esquecido, para que eu encontrasse, de forma sutil, um outro corpo feminino nu.


Nas minhas recordações mais bonitas sobre como a minha sexualidade foi aceita, me lembro de uma noite em que sentei em um banco com o meu irmão mais velho. Me lembro de ter certeza desde o momento em que sentei, que ele me perguntaria algo que até então eu não sabia como responder. O céu não tinha nuvem, nem estrelas, o espaço era aberto e aconchegante. "E você, gosta de alguém? Meninos, meninas...". Até aquele momento eu nunca tinha beijado um ou outra, mas confirmei o que ele demonstrava desconfiar. Ele me abraçou e falou "ah, minha menininha!", com tom de quem estava vendo aflorar o desejo de uma mulher que eu estava me tornando, com orgulho por saber que o que eu dizia para ele era uma certeza que muito trabalhei em mim mesma. 


Nas outras recordações, já não tão bonitas assim, me lembro de receber uma ligação de quem chamava de pai para ouvir uma explicação dos motivos pelos quais ele não saía mais comigo. "Eu tenho vergonha de andar com você na rua!". 
Ou do dia em que contei por carta para a minha mãe e ela fingiu não me ver na rua quando eu gritava seu nome na frente de todos os amigos que eu tinha. 
Todos esses processos aconteceram quando eu tinha 14 anos.
Com 15, beijei pela primeira vez um homem, me relacionei com um homem.
Conversei com um amigo sobre me sentir desconfortável com aquilo, e ouvi naquele dia todos os motivos pelos quais eu não poderia ou deveria ser lésbica. 
Continuei ficando com meninas, ainda que sem vínculo emocional, -minhas emoções estavam inteiramente ligadas à juliana- e nesse período eu conheci o feminismo.
Esse processo de feminismo deveria falar sobre a minha libertação, mas é justamente sobre meu aprisionamento.
Dentro da militância liberal, a partir da visão individualista, entendi que a minha liberdade só seria possível se eu tivesse uma grande liberdade sexual. Tive então a minha segunda aproximação com um homem. Um mês depois os laços foram cortados e comecei os meus questionamentos a partir do momento em que a minha vida sexual começou a se amadurecer e meus pequenos relacionamentos eram todos voltados para mulheres. 
Foi quando pela segunda vez estava indo para São Paulo, visitar Juliana. Naquela viagem chorei no banheiro ao ve-la falar com outra, li os poucos conselhos que recebi e voltei para o Rio com a certeza de que eu e Juliana seríamos apenas amigas, e também com a palavra "lesbica" pela primeira vez na boca para me referir. O meu meio do caminho da viagem foi o meio no qual eu me deixei entender meus sentimentos, àqueles criados por orgulho, por amor e por medo.
Meu processo foi em um caminho em que eu entendi cedo o que eu sentia com/pelas mulheres, mas que tardou a entender que eu não PRECISAVA, que eu não era obrigada a me sentir atraída por homens.


Quando me orgulhei como mulher lésbica, era uma militante pelos direitos das mulheres ainda com um vies liberal e até perigoso para nós. 
Quando aceitei olhar e ouvir o que outras mulheres lésbicas tinham a dizer, entendi que não precisaria estar resumida e que eu poderia e deveria começar a questionar espaços que não eram feitos pra mim. Me abriguei na minha maior força, ser lésbica e passar por todo e qualquer degrau de dificuldade que passei nesse processo da adolescência em que ocasiões mínimas e máximas nos montam, me fez criar força e acreditar nela. Ela é baseada na reprodução de toda ferida que me foi aberta. Eu optei por transformar a minha dor em luta por não aceitar que outras lésbicas passem por qualquer situação que eu passei, para que elas tenham o apoio que que eu buscava quando só queria ser eu.


Em pleno resumo, não há como contar detalhes sobre quando apanhei pela primeira vez, sobre quando chorei pela primeira vez, quando eu não mais aguentei pela primeira vez, mas é fácil saber que todas nós tivemos todos esses caminhos sem entender por quê nunca foi fácil. 
O momento em que eu só tinha eu mesma para me abraçar e me perguntar porquê eu era daquela forma, de rezar para quem estivesse disposto a me ouvir para pedir que me mudassem. 


Hoje me asseguro na força que eu e minhas iguais criamos em mim, para que eu siga existindo.


Meu nome é Isabel e eu sou lésbica 
Eu sou lésbica e meu nome é Isabel.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Meu corpo, Minhas Regras até... você ser Lésbica



Eu inicio meu texto transcrevendo o que uma lésbica militante disse para mim uma vez: “Transfobia é você discriminar alguém por ser trans, não dar emprego, impedir que transite em algum lugar, não transar com essa pessoa é direito meu”. 


O que eu sempre vejo no feminismo é uma luta constante por autonomia do próprio corpo, é nisso que consiste “meu corpo, minhas regras” na autonomia da mulher poder dizer sim e principalmente em dizer não. Mulheres, quando se deparam com homens invasivos, que tentam impor a elas o acesso de seus corpos são, instantaneamente, reconhecidos enquanto abusadores que são e então, a partir daí, essas mulheres reagem a tentativa de abuso e se sentem fortes ao fim da noite, ao fim da festa, ao fim do happy hour por conseguirem barrar um abusador, por conseguirem simplesmente dizer não à um homem. Quando mulheres estão reunidas e homens tentam invadir seus espaços, elas então, muitas vezes em conjunto, reagem à presença desses homens, expulsando-os e denunciando-os como invasores e abusadores que de fato, são. Quando homens abordam mulheres para que tenham relações sexuais, essas mulheres, ao passo que conheçam seus direitos e tenham voz, se sentem, suportadas por outras mulheres, seguras em dizer não. E esses exemplos são grandes avanços e grandes conquistas para muitas mulheres que descobrem que o dizer “não” é a verdadeira liberdade que tanto se fala. No entanto, se essas mulheres forem lésbicas, o direito de dizer não lhes é tirado sem dialogo ou empatia, lhes é arrancado.


Lésbicas não têm o direito de dizer não. A política liberal do sexo livre tira o direito de lésbicas em dizer não ao acesso de homens a seus corpos. “Não se limite” dizem para mulheres lésbicas, que, como toda vítima, coagida e só, acaba cedendo (e ceder não é consentir) e sofrendo violências que talvez diga para si mesma que não sejam violências, tentando se adaptar a realidade imposta, às normas liberais, permitindo que homens acessem seu corpo, fingindo para si mesma que gosta, para que não seja rotulada acaba violentada. Em meio aos estupros corretivos, lésbicas acabam naturalizando violências sofridas: “eu não gostava, mas com o tempo posso gostar”; “ele é legal, me trata com respeito”; enquanto sua consciência escorre pelos dedos, enquanto sozinha se pergunta se não há saída, enquanto todos dizem que rótulos limitam e tudo que limita é tóxico ela perde, dentro de si, a mulher que um dia foi, perde, dento de si, a possibilidade do não; tiram dela a autonomia celebrada por outras mulheres, tiram dela o direito da autonomia de seu corpo, o direito à livre expressão de sua sexualidade. E ela é lésbica.


Mas, lésbicas também tem seu direito tirado pelo transativismo, uma vez que, lésbicas, históricamente, são mulheres que se relacionam com mulheres que são pessoas nascidas com vagina, ao, impor uma relação pênis + vagina para uma lésbica e, negando-lhe o direito de dizer não, sob a falsa cartada da transfobia, o transativismo está, assim como todo o sistema, dizendo que lésbicas não tem direito ou autonomia sobre seu próprio corpo, ao negar a história da lesbiandade e da resistência do que é ser lésbica,o transativismo está, como todo o sistema, dizendo que lésbicas não tem direito ao acesso e a afirmação de sua história, ao impor a relação pênis + vagina para lésbicas e tirando-lhes o direito de dizer não e as acusando de conivência com violências homofóbicas, o transativismo está, na verdade, chantageando, manipulando, coagindo e violentando lésbicas. Você lésbica, que está lendo meu texto e discorda, experimente dizer não à um transativista, experimente contar a história da lesbiandade, experimente dizer que sexo conta sim, que nós amamos bucetas e essa é nossa história, experimente não consentir que um transativista tenha acesso à seu corpo. Não, nós não estamos seguras com transativistas em nossos espaços, nós não estamos seguras porque não temos direito e autonomia para dizer não. Quando esse direito nos é tirada, nada mais sobra do que ceder e ceder não é consentir, temer ser comparada com homofóbicos por fazer valer a autonomia sobre seu corpo não é consentimento, é violação.


Lembremo-nos do orgulho em sermos lésbicas, lembremo-nos do orgulho em amar mulheres, suas vaginas, seus seios, seu intelecto, sua afetividade, sua amizade, lembremo-nos de que somos as mulheres que homens nunca tiveram ou nunca mais terão acesso. Apoiemos umas às outras, libertemo-nos das violações e imposições e alcancemos o direito e autonomia do dizer NÃO.

Por: Marx Lopes.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Entrevista com Gisela Carvalho



O Papo Reto no Brejo começa, a partir de hoje, com uma série de entrevistas e textos sobre a história de mulheres lésbicas, e hoje começaremos com a entrevista com a militante lésbica Gisela Carvalho, carioca, co-fundadora do COLERJ (Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro), entidade responsável pelo primeiro SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas) em 1996. Segue abaixo a entrevista. Vem com a gente sapatão.




Papo Reto no Brejo – Como foi se descobrir lésbica?
Gisela Carvalho - Eu era muito nova e eu já me sentia diferente das outras meninas. Nunca gostei de brincar de boneca, de umas coisas mais femininas né, ditas femininas. Eu tenho 52 anos, então há quarenta e poucos anos atrás era mais complicado, hoje as situações estão mais interessantes. As meninas estão jogando futebol, estão com mais liberdade com os brinquedos, não necessariamente são lésbicas. Na minha época foi bem difícil. A minha primeira namorada acho, que foi com 18, por aí, mas assim, foi difícil, eu percebi que.. muita discriminação né, das pessoas, das amizades, das pessoas ao redor, não foi fácil.


PRB - E a relação com família e amigos, como ficou depois que você se assumiu?
G.C - Com a família, até hoje né, até hoje tem uma dificuldade. A vida inteira ficou uma dificuldade. E os amigos, eles começam a se afastar, poucos conseguem ficar do seu lado, muito poucos, muito difícil. E quando você é jovem e você tem aquela amiga que você se amarra nela, que você gosta muito como amiga, aí ela chega naquele momento em que ela precisa casar né, aí ela começa a se afastar de você porque ela não pode andar com uma lésbica do lado, aí vão associar, as pessoas vão fazer uma associação e ela não vai conseguir “desencalhar”, e isso aconteceu com algumas pessoas que eu considerava muito, e eu demorei a perceber esse afastamento.


PRB - De onde surge a necessidade de um movimento voltado as lésbicas? Como foi o desenvolvimento do COLERJ? Houve apoio de partidos ou do movimento LGBT?

G.C - O COLERJ, a procura por criar, me reunir, criar um grupo, partiu dessas minhas angústias né, da necessidade de se reunir e fazer um grupo homogêneo... um grupo de mulheres pra gente discutir nossas questões, nossas particularidades, que são diferentes das particularidades dos [homens] gays, são coisas diferentes. E apoio de partidos, assim, teve uma vez que eu precisei viajar pra SP e consegui a Jurema Batista¹, na época, mas não era uma coisa sempre né, uma coisa regular. E do movimento LGBT, asssim, eu vejo que nada mudou né, porque o que eu vejo é que os gays continuam com muito mais visibilidade e as lésbicas continuam com zero de visibilidade, é o que eu to percebendo agora conhecendo vocês², meio que retornando agora nessa história por conta do meu espaço e eu to vendo que pouca coisa evoluiu em relação a mulher lésbica, o que eu acho lamentável.


PRB - Como era lutar contra a lesbofobia há 20 ou 30 anos atrás? E o que você acha que mudou atualmente? E quais são as principais diferenças e críticas para a militância atual?

G.C - É, brigar com a lesbofobia, ah cara, isso é toda hora né. O que eu vejo é que hoje em dia as pessoas estão com mais vergonha de se mostrarem preconceituosas. Exceto na internet né, exceto atrás do computador, né, no computador fica tudo muito fácil. Agora presencial, eu vejo que as pessoas têm muita “vergoinha” de se mostrar, antigamente ninguém tinha vergonha não. Era sapatão mesmo, era mulher-macho, né, era xingamento mesmo na rua, era real, era vida real antigamente. Não que isso tenha desaparecido né, isso não desapareceu, mas ta um pouco menos, acho que as pessoas ficam constrangidas. E as lésbicas, eu acho que, não somente as lésbicas, acho que toda a comunidade LGBT, ela ta mais empoderada pra responder a essas agressões. Atualmente eu vejo mais isso, menos culpa de... eu acho que tem muita resposta “sou e daí” “qual é a novidade? Descobriu a pólvora, a roda?” né, eu to vendo as pessoas mais empoderadas a responder essas agressões.


PRB - Você acha que lésbicas desde os anos 80 ou 90 conseguiram mais espaços e representatividade ou que ainda temos um longo caminho a seguir?

G.C - Acho que tem muita coisa ainda. Eu acho que tem muita coisa. Enquanto as pessoas continuarem nesses armários, a gente tem pouca representatividade. Eu vi uma entrevista de um juiz que é gay assumido, infelizmente não to conseguindo lembrar o nome, que ele disse que o ideal seria que pessoas, celebridades ou pessoas que tem uma importância social se assumissem, porque o que ta faltando é representatividade. Porque quando a gente tem na música brasileira cantoras que todas nós, nos bastidores, sabemos que ela é lésbica e ela vai a público e diz que é bissexual isso causa desserviço, entendeu, isso causa um desserviço porque eu fico me questionando que bissexualidade é essa? Foi o empresário que mandou ela dizer que é bissexual pra vender mais disco? Então, uma pessoa que desde que se lançou no mercado se lançou como sapatão aí depois que vendeu milhões de discos aí diz que é bissexual, então, eu não entendo isso. Eu não to aqui dizendo que bissexual não existe, não é isso, entendeu? Mas eu não entendo isso, porque você não vê os cantores gays dizendo que são gays, “eu sou gay”, eles vão cantam dão o recado no palco e eles não ficam falando da vida particular deles. Aí porque q a cantora lésbica tem que abrir a boca e dizer alguma coisa? Eu não entendo isso. Isso é na musica, isso é no esporte também, no esporte também tem muito isso. Você vê nitidamente que a atleta é sapatão, ai vem um jornalista e pergunta “você usa batom?”. Porra ,sabe, a mulher ta lá aumentando o tempo dela na modalidade, ganhando medalha e a pergunta vem “quando você usa maquiagem pra treinar?”, entendeu?. O que que isso tem a ver com o treinamento dela como atleta? É só uma cosia de você pegar qualquer entrevista de Globo Esporte, de Globo qualquer aí que as perguntas pras mulheres atletas é essa “você não perde o rebolado né?”, “você não perde a maquiagem”, “que legal o seu esmalte”, agora perguntar se aquele kimono foi caro, “como foi pra você fazer esse esporte com o kimono custando quase 200 reais ou 200 reais, você que veio da favela como que você comprava kimono, como e que você treinava num esporte que é caro?”, ninguém pergunta isso pra atleta.



PRB - Sobre o racismo no movimento gay e nos espaços lésbicos?

G.C - Sei não (risos). Sei lá como que eu vou conscientizar entendeu? O racismo ta aí, o que mata é a hipocrisia. As pessoas namoram pessoas negras, namoram pessoas brancas e quando o namoro é interracial é engraçado né porque a pessoa acha que não é racista mais: “não, a minha namorada é negra, não sou racista”, né? As coisas tão aí, como tão em todos os lugares. O racismo ta aí, no movimento LGBT ta aí também, ta ai como ta em todos os lugares. As pessoas elas não fazem uma peneira, uma conscientização né, “eu faço parte de uma minoria, então eu não posso ser preconceituosa”, não, ninguém faz esse recorte, ninguém tem essa conscientização. “Poxa eu sou gorda, eu também sou discriminada, eu não posso discriminar”, não, a pessoa esquece que é gorda, esquece que é negra, esquece que é deficiente e sai discriminando como se não fosse morrer, né. As coisas tão ai em todos os lugares.


PRB - Como é envelhecer para uma lésbica?

G.C - É complicado, é mais uma invisibilidade, entendeu? Mas pior deve ser, e é uma coisa que eu percebo já tem tempo, é uma pessoa que não acha que vai envelhecer, uma pessoa que sempre foi bonita, sempre foi magra, sempre foi desejada, sempre ganhou quem queria, quem não queria, pra essa pessoa deve ser bem difícil envelhecer. Porque o envelhecimento, ele ta aí, entendeu? Pra mim, a única coisa que eu fico chateada é que eu gostava muito de esporte e os meus joelhos não deixam mais eu praticar o que eu gosto de fazer. O desagradável pra mim do envelhecimento é esse. Mas aí a gente tem que ter, eu, eu tenho que ter essa conscientização de jogar a minha energia pra outros objetivos de vida. É o que eu tenho procurado fazer agora, jogar minha energia, jogar o meu saber, a minha experiência pra outro lugar agora, canalizar pra outro lugar. Porque envelhecer não tem nada de bom, quer dizer não tem nada de bom na questão física, na questão social você tem que ser uma pessoa... você tem que ter uma cultura, você tem que ter uma conscientização na questão social porque as pessoas te discriminam muito, né, muito, muito. Porque aqui no ocidente o velho, a pessoa mais velha não tem poder, não tem, é, visibilidade também, mas não tem valor né, não tem valor. E a mídia o tempo inteiro ela fortalece isso, essa desvalorização do saber e a desvalorização da sua experiência de vida, né. Quando você faz um programa que enaltece uma pessoa que fala errado, né, uma coisa é você entender a comunicação, você ta entendendo o recado que aquela pessoa ta querendo dizer, agora você dizer que isso é bacana, entendeu? Eu acho muito complicado. Porque esse último trabalho que eu perdi, que eu fui discriminada por assédio moral, que eu sofri assedio moral, a minha chefe era menos qualificada que eu e falava um português totalmente errado, então ta rolando também na nossa sociedade uma discriminação absurda de quem é pobre e quem teve o finalzinho da escola publica decente, que foi meu caso. Aí quer dizer, eu to sendo discriminada porque o meu português é possível, uma coisa que antigamente era motivo de orgulho pras pessoas, hoje em dia eu tenho que ficar calada dependendo do ambiente que eu tiver, porque se você fala corretamente nego torce o nariz pra você. O negocio chegou num ponto que eu ouvi, eu ouvi um papo de que “fulano comeu strogonoff de garfo e faca” e aí eu fiquei pensando assim “ué, mas como é que se come?”. Quer dizer, as coisas estão ladeira abaixo sabe, tão ladeira abaixo. Quer dizer, você não pode mais comer de garfo e faca. Sabe, aí você é arrogante. O que que esta havendo na sociedade, entendeu? O que que está havendo? E o que acontece comigo é isso, porque eu quebro muita expectativa (estereótipo), porque a pessoa me olha, negra, gorda, não sei o que, agora com a nova modalidade deficiente física, aí quando abre a boca ela tem uma cultura, não, não pode, ela tem que falar errado, ela tem que ser burra, ela tem que ser burra. Aí como ela não é burra, ai ela tem que ser a criadora de caso, ela tem que ser a arrogante, ela tem que ser isso, entendeu? Então vamos arrumar um defeito pra ela, vamos procurar um defeito. Foi o que aconteceu no meu ultimo emprego. Foi o que aconteceu, porque se eu tivesse dentro do pacote da expectativa, eu tava trabalhando lá ate hoje. É isso, tem umas coisas que estão muito equivocadas.


PRB - Você falou dos seu joelhos, aí.. Como é o tratamento nos serviços básicos de saúde? Existe algum tipo de destratamento? Houve alguma mudança no comportamento de outras lesbicas em relação a voce depois que você descobriu o problema nos joelhos?

G.C - Olha, em relação ao atendimento que eu tenho, eu me trato numa clínica da família aqui perto da minha casa, o meu médico é maravilhoso, entendeu? A médica que tava me tratando antes dele, ela era maravilhosa também, aí ela foi transferida e me apresentou ele. Ele é gay e é um gay empoderado, é um gay consciente, né. E ele atende eu e a minha mulher, ele é uma pessoa muito respeitosa, o atendimento dele é maravilhoso. O que acontece, o que eu vejo mesmo que acontece na saúde publica é você conseguir entrar, né, você conseguir entrar pra se tratar, o sufoco é esse. Aí como eu já tenho prontuário há algum tempo, aí eu entro nas filas dos exames, nas filas de tudo, eu me trato atualmente com esse medico que e medico da família e tenho uma psicóloga que me atende também, entendeu? E to na fila do INTO³, que a fila do INTO é aquilo que todo mundo sabe, porque ninguém morre de dor, então você pode ficar esperando 5 anos pra trocar o seu joelho, pra colocar uma prótese, porque dor não mata, ela só enlouquece a pessoa, mas ela não te mata. Então, “azeite” pra sua qualidade de vida, que você que se lasque na sua qualidade de vida, porque a dor não mata. Então eu to aí na fila do INTO e em relação à discriminação em relação a outras lésbicas, isso aí sempre tem, entendeu, isso ai é uma coisa mesmo de observar. É porque eu acho que eu tenho, eu acho não, eu tenho certeza, eu tenho outras coisas pra oferecer alem do meu joelho, eu tenho cérebro. Então eu não me preocupo. As mulheres com quem eu namorei nesse processo, já com o joelho ruim, a gente conquista com conversa, com inteligência, com outros assuntos, então, não vou dizer que não sofri preconceito, certamente devo ter sofrido, mas assim, as pessoas não falam né. As pessoas não tem coragem de falar, elas não falam nada. Mas hoje em dia eu to com uma mulher maravilhosa do meu lado, hiper cuidadosa comigo, preocupada e ela gosta de mim pelo que eu transmito pra ela. E ela já me conheceu com esse joelho ruim, desse jeito (risos). É isso.


PRB- Assunto polemico agora
GC – Mais? (risos)

PRB- (risos) Nos últimos anos, temos ouvido falar sobre homens que se identificam enquanto mulheres e que tem insistido para que lésbicas se relacionem com eles. O que você pensa sobre isso?

GC – Olha só, esse assunto eu fiquei sabendo através de vocês. Inclusive no meu face(sic) tem trans homem[...]. Essa historia de trans mulher com pênis transar com lésbica, eu acho que pênis e vagina é heterossexualidade, né? Então, na década de 90, quando eu comecei a freqüentar o movimento lésbico, não tinha essa questão, esse assunto, pelo menos eu não consigo me lembrar, ta? Pra mim isso não é um relacionamento lésbico, um relacionamento lésbico é vagina com vagina, é dedo, é língua, essas coisas todas né, isso ai... eu já ouvi falar que é estupro corretivo né, pode ser também, pode ser também mais uma maneira de desqualificar nossos espaços, eu acho que pode ser muita coisa, né? E outra coisa que eu aprendi com vocês é que falar o que eu to falando, eu ganho o titulo de transfóbica. Bom, então eu sou transfóbica, porque (risos), eu acho que voce ser fóbica de alguma coisa, como eu já falei anteriormente, é você discriminar a pessoa, né, se eu não quero transar com uma pessoa que tem um piru eu acho que eu não sou transfóbica. Eu não quero transar com um piru, pra mim é muito simples. Então, quem ta usando desse artifício pra dar essa titularidade às pessoas ta agindo de má fé, isso aí é um mau-caratismo pra mim. Porque transar com piru não é um sexo lésbico, ta? É muita modernidade pra minha cabeça, pra mim não é um sexo lésbico.

PRB- De onde surge a idéia do Resiliência?
GC- O Resiliência, ele surgiu depois desse ultimo emprego, dessa ultima demissão por assedio moral, no ultimo lugar que eu trabalhei. Que eu chegava todo dia no horário, apesar das minhas dores, né, eu chegava no horário, procurava fazer tudo corretamente pra ficar invisível porque a chefe que foi eleita pela direção da organização social, ela me perseguia, né. O motivo pode ser vários, podem ser vários. E ela me perseguia e isso qualquer coisa que eu falasse, qualquer bobagem que eu falasse, qualquer participação em reunião de equipe, né, a equipe poderia ter falado a mesma coisa, mas se eu falasse aquilo tomava um peso enorme. Tipo o salário das pessoas chegando atrasado na conta de todo mundo, a equipe inteira reclamando, a equipe inteira reclamando que o salário não caiu, ai eu fazia o mesmo comentário ela ligava pra direção e dizia que só eu tava reclamando. Desse nível. O registro de ponto digital, o meu ficou sem funcionar meses, eu chegava pra trabalhar, eu tinha que assinar um documento, a equipe inteira colocando o dedo lá no ponto digital e só o meu que tava quebrado. Aí finalmente ela conseguiu me demitir, eu fiquei muito mal com essa história, porque a gota d’água foi o dia que eu sai uma hora mais cedo, porque a nossa sala tava em obras, não tinha como trabalhar, ai eu sai uma hora mais cedo, ela queria que as pessoas ficassem ate as 17h, nos saímos as 16h, eu, uma medica e uma enfermeira, três profissionais de nível superior, eu sou terapeuta ocupacional. Três profissionais de nível superior, só eu perdi o emprego, entendeu, só a negra, lésbica, perdeu o emprego. As outras duas funcionarias não perderam o emprego. Então, ela me demitiu, eu fiquei péssima, tentei entrar com uma ação, a juíza entendeu que não aconteceu nada comigo e, aí eu continuei procurando emprego, mas certamente ela deve ter me queimado ai “na praça”, não consegui entrar de novo no mercado, o dinheiro acabando, ai eu comecei a pensar em alguma coisa na minha casa. Já tinha algumas amigas que freqüentavam aqui em casa e gostavam muito de ficar aqui, se sentiam em casa e tal, aí eu pensei “vou vender cerveja”, entendeu ai a idéia do Resiliência foi crescendo, porque eu não queria rasgar o meu diploma totalmente, eu queria pensar em voltar a trabalhar como terapeuta ocupacional, que foi uma coisa que eu investi, eu me formei e emendei duas pós-graduações, justamente pra não acontecer o que aconteceu. Justamente pra não dar motivo pras pessoas me perseguirem, mas não adiantou nada. Quando as pessoas querem elas te perseguem, eu poderia ter doutorado que ia continuar a mesma coisa. Enfim, aí o Resiliência, ele foi se desenhando, ele foi se desenhando, e agora graças a todas as Entidades aí, eu conheci vocês do Visibilidade, to conhecendo o grupo da Coletiva Ira, tem as feministas da Zona Norte que já fizeram uma reunião aqui, fora outras pessoas que não são de grupos políticos mas que tão descobrindo o Resiliência, se sentem mais a vontade aqui. Ta tendo uma professora de dança do ventre aqui terça e quinta que da uma aula particular pra uma senhora que é vizinha, entendeu? Tem outras propostas de projetos aqui pro espaço. E essa situação que aconteceu comigo aos poucos ta saindo da minha cabeça, aos poucos ela ta se desmanchando, porque foi uma situação muito dura, muito absurda e eu espero, sinceramente, não encontrar mais essa mulher na minha vida, entendeu, o Rio de Janeiro é pequeno, eu não tenho mais conseguido sair de casa, praticamente não saio de casa, só vou pra medico, só vou pros tratamentos de saúde e eu tenho muito medo de encontrar com ela na rua, porque eu não sei da minha reação, assim, se eu vou passar mal, se eu vou xingar ela, não sei. Porque ela foi muito cruel, ela foi uma pessoa muito mau caráter. Sabe, eu acho que você tem que ter, dizem que eu sou arrogante, devo ser mesmo e não to muito preocupada com isso, mas eu acho que você tem que ter consciência do que você é. Uma vez eu ouvi um intelectual falando, um escritor, não lembro quem, falando que esse papo de dizer que é humilde isso é maior hipocrisia, porque se você sabe que você é fera em determinado assunto, determinada coisa, você é fera e acabou. Então não vem com esse papo de “humildizinha”, entendeu? Aí eu sou arrogante, por que eu sou arrogante? Tenho que ficar falando “pobrema”(sic) “pra mim fazer” (sic) pra eu ser taxada de humilde? Sabe? Então eu sou arrogante sabe, eu sou de outra época, eu sou de outra geração, entendeu? Então eu não vou ficar entrando nessa vibe, como dizem vocês [...]. Eu falo gíria se eu tiver que falar gíria, mas eu não to a fim de descer meu nível, entendeu, pra ficar na moda. Quem gosta de miséria é a Regina Casé, sabe? Ela que acha graça naquelas coisas que ela bota lá pra todo mundo achar que preto é daquele jeito, que todo preto é assim, sabe. Não é assim. Eu conheço várias pessoas negras que não suportam aquele programa, entendeu? Que não suportam aquele programa, porque faz uma exaltação a uma pobreza, sabe? Ai você que é negro, não ta nem lá em cima, nem lá embaixo, você se lasca. Porque você tem que ta la no submundo da doideira. “Brasileiro tem que gostar de funk”, por que que tem que gostar de funk? Por que que tem que gostar de funk? Da onde tiram uma idéia dessa? Entendeu? Por um acaso eu não nasci na favela, eu poderia ter nascido na favela. Porque o que foi direcionado pra nós negros foi tudo de ruim, foi tudo de ruim. Eu poderia ter nascido na favela, só que por um acaso eu não nasci. Aí eu tenho que ficar levando na cara, levar chicotada porque eu não nasci na favela? Porra, faça-me o favor, cara. O que ta acontecendo é isso, as pessoas tem que ter a mesma origem. Não é, tem pessoas que tiveram origens diferentes. Eu tive um padrinho que foi ex-combatente da segunda guerra, então foi nessa historia que ele conseguiu construir essa casa aqui, é por isso que ele conseguiu construir essa casa, é por isso que essa casa é bem localizada. É uma tentativa de desqualificar, em tudo, é na mídia, esse diabo dessa meritocracia. Como que uma pessoa que passa por situações como eu passei vai ter saúde mental pra continuar estudando? Se pra eu sair da cama é um sacrifício, pra eu me levantar de manha cedo é um sacrifício, ou pela artrose, ou pelo joelho que ta parado, ou pela minha depressão. É isso.


PRB - Você quer deixar algum recado pras lésbicas em relação à lesbiandade, em relação à negritude?
G.C - Sei lá, eu acho que as pessoas têm que... O ideal... Conscientização é tudo. As pessoas têm que parar de achar que as pessoas gostam da gente, que o mundo é azul, que o mundo é colorido, é cor-de-rosa. Isso é tudo mentira. Não é. Não é. A discriminação é cotidiana. A luta é diária, é diária. A discriminação, ela ta ai. Veio uma menina agora, antes de vocês, me entrevistar e ela falou que conhece uma lésbica que sobe no morro pra comprar baseado pros amigos heteros, que ela quer fazer a fofa, quer ser a querida do role,sabe? Se liga na auto-estima, se liga na auto-estima. O recado é esse. Porque não adianta, no final ninguém quer saber da gente não. A gente tem que estudar, a gente tem que se empoderar, a gente tem que ler pra caramba, tem que saber o que ta falando, não tem que ter vergonha de falar corretamente e é isso aí. Porque se falar errado fosse bonito o concurso público tinha acabado, o português do concurso publico tinha acabado, ia entrar qualquer um. Entendeu? A gente tem que se conscientizar das coisas gente. 


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1- Vereadora do PT;

2- Lésbicas Radicais da organização do mês da visibilidade lésbica

3- Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia


Grafite feito por JLo Borges: "As Sapa Tão no Resiliência"




Visão Geral do espaço



Contato com o espaço Resiliência



Gisela Carvalho

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Em memória de Katiane Campos

"Ela gostava de olhar a lua e de cantar"

Nós não sabemos como iniciar esse texto. Estamos todas abaladas, de coração partido e revoltadas com a morte de Katiane. A última coisa que conheceu foi crueldade e violência e pensar nisso, dói. Tanto a dizer, a sentir, e as palavras fogem, ficam entaladas na garganta. Nos pegamos pensando: o que podemos fazer para manter Katiane viva em nossos corações e memórias, mesmo que nunca a tenhamos conhecido, visto ou sequer tenhamos sabido quem era até que sua vida tenha sido cruelmente interrompida? Vamos manter seu nome em nossos corações em mentes, para que nunca a esqueçamos, como nunca iremos nos esquecer de Laís, Luana, Priscila e tantas outras cujos nomes estarão sempre em nossas memórias.

Katiane Campos de Gois tinha 26 anos e foi cruelmente assassinada em 27/08/2016, na área central de Brasília, ironicamente, no mês da Visibilidade Lésbica. E não será esquecida por nós.

A escuridão da noite era densa 

A lua parecia querer se esconder

Clamei para que me olhasse nos olhos

Mas negou-se naquela noite

Triste estava, e só, se lamentava

Do alto pode ver todas as dores

Do alto pode ver uma de suas admiradoras

E uma de suas admiradas, partir

Nada pode fazer a não ser se esconder

E lamentar

Escondeu-se, para que não pudesse ter sua tristeza escancarada

Sua admirada partia debaixo de seu brilho

Ah, se pudesse se negar a voltar a brilhar!

Ah, se pudesse chorar

Nunca mais ouvirá a voz de sua admirada

Nunca mais colocará sob sua pele

Negra pele, o toque de seu brilho

Mas se negará, para sempre, esquecer-se de sua admirada

Seu nome estará cravado sob seu brilho e jamais será esquecido

Katiane”.




sábado, 30 de abril de 2016

Precisamos falar sobre agressões entre lésbicas

Com quanta frequência você vê lésbicas falando sobre agressões entre lésbicas? Acredito que, com muito esforço, você consiga lembrar de uma ou duas vezes que ouviu isso em alguma roda de conversa, e também acredito que tenha sido uma conversa rápida, sem muita profundidade. Por que não falamos sobre isso? Qual é o medo que temos em assumir que, sim, há agressão entre lésbicas, há abuso entre lésbicas, e que nós precisamos tratar disso?

Desde agressão física a violência psicológica, existem agressões entre lésbicas, e por muitas vezes esses casos não são comentados, principalmente no meio feminista, porque há um “receio” de “isolar/excluir” a agressora. Porque tratar de agressão entre mulheres, principalmente entre lésbicas, é tabu, não é levado à sério, é tratado como “pode ser resolvido com um diálogo/com uma mediação”. Mas, afinal, por que banalizamos tanto esse tema?

Porque não conseguimos conceber a ideia de que uma mulher pode oprimir, agredir e abusar de outra. Isso se dá devido ao fato que, nós, lésbicas feministas, ouvimos no meio político que agressões entre mulheres devem ser tratadas de ,maneira diferente. Estou de acordo que devem ser tratadas com cautela, mas não podemos banalizar denúncias como temos feito. Se uma lésbicas sai de um relacionamento abusivo e não quer encontrar sua abusadora em espaços políticos, a vontade dela deve ser respeitada e a presença da algoz não deve ser imposta. Não existe um meio de “coletivizar” isso, pois foi uma situação de abuso. Isso seria colocar a abusada de frente à abusadora para que elas discutissem algo que não fará bem àquela que foi a vítima. Isso seria colocar a vítima em ligação direta com alguém que fez mal a ela.

Existem mulheres que têm um histórico de abuso grande e conhecido, e precisamos afastá-las do movimento.

“Mas papo reto, vocês estão afastando mulheres de espaços políticos! Elas também precisam de ajuda”

Não, nós estamos afastando mulheres nocivas e perigosas do convívio com outras mulheres. Estamos evitando que abusos se repitam e que elas façam novas vítimas, pois existem mulheres que se aproveitam de outras, e elas possuem plena consciência do que estão fazendo.

“Mas e o que fazemos com outras mulheres abusivas, afastamos elas do movimento também?”

Existem casos e casos. Anteriormente falávamos de mulheres que possuem um histórico de abuso grande, fora outras denúncias, e que percorrem os espaços políticos livremente e colocam outras mulheres em risco.

Porém, todas sabemos que existem lésbicas que são abusivas, mas não possuem consciência disso, que reproduzem comportamentos abusivos.

Frequentemente, lésbicas que reproduzem comportamento abusivo, procuram tratamento e preferem estar só pois entendem que podem ser um perigo à outras lésbicas. Mesmo querendo mudar, estas mulheres podem continuar reproduzindo abusos pois ser abusivas também é um vicio. Lésbicas que reproduzem comportamentos e pedem ajuda devem também ser acolhidas, num outro sistema que não seja da vítima, mas são mulheres que também precisam de ajuda. E é aquela velha história: ouça o que a ex tem a dizer e análise se não há reincidência de comportamento.

A diferença entre essas mulheres que reproduzem abuso e as que se aproveitam e manipulam outras mulheres, é que uma realmente procura mudança e buscará ajuda enquanto a outra muda apenas de vítima, por isso é de suma importância que essas mulheres sejam afastadas de todos os espaços para garantirmos segurança à suas vitimas.

Algumas abusadoras preferem se afastar desses espaços como estratégia, como manipulação, com o intuito de conseguir mais vitimas, pra abusar e explorar mais mulheres, de todas as formas possíveis, assim, podem se manter dentro do movimento.


Uma lésbica que explora, abusa e manipula outras mulheres tende a ter um comportamento um tanto sistemático: quando ela se afasta dos espaços a fim de manipular mais mulheres, ela começa a chantagear emocionalmente as próximas vítimas, invertendo os papéis e se colocando como a real vítima, depositando assim toda a culpa dos seus abusos nas mulheres que ela abusou e/ou explorou. Em alguns casos, confessa seus abusos relativizando-os.

Por isso, reiteramos: nós precisamos ouvir e priorizar as vítimas, pois só conseguimos enxergar e diferenciar uma lésbica que reproduz comportamento abusivo de uma lésbica manipuladora, através delas.

Por: Lacuna Rat e Magnoliophyta

quarta-feira, 9 de março de 2016

O que eu tenho por lesbiandade

Decidi depois de tanto tempo escrever sobre isso, mas de um modo totalmente pessoal, por meio de vivência enquanto mulher lésbica, colocando também um pouco de conhecimento teórico.

Bom, vamos lá. Lesbiandade é um ato politico. Isso nós (que estamos inseridas no meio feminista) sempre falamos e ouvimos. Mas me pergunto, o que nós diríamos a outras lésbicas que não estão no meio feminista quando nos perguntassem: porque é um ato politico? Qual seria a primeira forma de apresentar a elas essa visão? Se a lesbiandade é um ato politico então todas nós somos politicas (o que é diferente de politizadas) ou só aquelas que têm acesso a teorias e informações acerca das mesmas?

Pois bem, pensando nisso nesses últimos dias a minha resposta hoje, depois de muito pensar seria: a lesbiandade é um ato politico em si porque amar mulheres, as desejar, voltar nossas energias para elas significa romper com tudo aquilo que o sistema heteropatriarcal espera de mulheres, ou seja, que sejamos heterossexuais e tenhamos nossas energias afetivas, românticas e sexuais voltadas para homens. A lesbiandade trás consigo uma carga politica porque se trata de mulheres se relacionando com mulheres. Se não o fosse, desde muito, mas muito antes de qualquer teoria, lésbicas não teriam sido perseguidas, apagadas e mortas na história. Não convém ao sistema heteropatriarcal que mulheres saibam que lésbicas sempre existiram, sempre foram perseguidas e sempre resistiram a todas as violências impostas por esse mesmo sistema. Seria imprudente, de minha parte, esquecer-me da história lésbica e de todo significado que trás em si: de quando lésbicas começaram a desenvolver sinais e signos para se reconhecerem, fosse pela forma de se vestir, por adereços, pelos modos comportamentais, por comunidades separatistas, etc, etc. Como não dizer que essas mulheres já não faziam politica ali? Como não dizer que um casal, quando sai de mãos dadas, não está fazendo politica pelo simples fato de que rompem com o sistema heteropatriarcal e mesmo que não saibam que aquilo que fazem é revolucionário? Essas mulheres, mesmo que não queiram, mesmo que não conheçam teorias, que não tenham acesso a elas, estão fazendo politica pelo simples fato de amarem mulheres. Eu não consigo desatrelar o fato de que lesbiandade é uma sexualidade¹ (porque envolve amor, desejo, afeto, respeito, etc) do fato que é um ato politico exatamente porque é um ato politico por se tratar de uma relação livre da heterossexualidade compulsória.

Agora, passemos a um outro ponto. O ódio aos homens. Como eu disse anteriormente, lesbiandade é a relação, o amor entre mulheres e é nisso que se centraliza. A partir daí existe um rompimento com homens, rompimento este que considero até certo ponto necessário à sobrevivência da comunidade lésbica. Dizendo que, a lesbiandade se centraliza nas mulheres, estou dizendo que lésbicas não odeiam homens? Não, apenas estou reforçando que lesbiandade nada tem a ver com homens e sim com mulheres. Quando eu vejo mulheres se assumindo lésbicas, eu, particularmente, me sinto feliz. Nós podemos nos assumir aos 8, 28, 53 anos, que isso não mudará o fato de que somos lésbicas porque então, nossas energias afetivas, sexuais e românticas se voltam exclusivamente para mulheres, o rompimento com homens é só um caminho até esse ponto. Agora, eu tenho que dizer certas coisas que ando vendo por aí. Bom, eu já disse que lésbicas se centralizam em mulheres: suas energias, seu afeto, seu sexo e que a partir disso a lesbiandade torna-se politica. Então, colocando um pouco o dedo na ferida eu digo que: lesbiandade não é cura para hetero cujo coraçãozinho foi despedaçado por homens ou para hetero que por algum motivo decidiu romper com homens. Eu não gosto quando começam certas frases com: “a lesbiandade não é só sexualidade¹” ou “a lesbiandade não é sexualidade¹”, eu concordo com a primeira frase, a lesbiandade é também um ato politico pelos motivos que descrevi acima e ignorar que lesbiandade se trata do afeto, romance e sexo entre mulheres é ignorar toda carga histórica-politica que a lesbiandade trás em si. Quando eu falo com mulheres heterossexuais que decidiram romper com homens, mas que entendem que a lesbiandade não é muleta, elas costumam se dizer celibatárias (ou seja, rompem totalmente com homens, seja afetivo, romântica ou sexualmente) voltando então suas energias afetivas para mulheres (se irão se descobrir lésbicas ou não, aí é outra história).

Ou seja, essas mulheres, celibatárias, compreendem que a lesbiandade  é uma sexualidade¹ e um ato politico em si, e compreendem o peso do ato politico em se assumir lésbica voltando-se para mulheres não apenas afetiva, mas sexualmente e romanticamente. Precisamos ter cuidado em nossos discursos porque estamos em guerra constante contra o patriarcado, lésbicas morrem todos os dias, sofrem estupros corretivos porque carregam consigo a politica do que é ser lésbica, rompem com o heteropatriarcado e se tornam vitimas porque amam mulheres, porque amar mulheres é crime, porque amar mulheres é imoral e pecaminoso. Nossos discursos devem alcançar lésbicas, assumidas ou não, presas à heterossexualidade compulsória, sim, dando a elas o significado de lesbiandade que é centralizar suas energias afetivas, românticas e sexuais para mulheres. Lesbiandade não se trata apenas de afetividade, não se trata apenas de romance nem tão pouco somente de sexo, lesbiandade são todas essas energias unificadas e complementando umas às outras.

Para mulheres que desejam romper com homens, que os odeiam (e acho isso totalmente legitimo, porque eu também sou assim) eu diria: você pode romper com eles, odiá-los (ou odiá-los e romper com eles), você pode voltar suas energias para mulheres, mas antes de assumir-se lésbica, lembre-se: a lesbiandade é um ato politico em si, não apenas porque rompe com homens, mas principalmente porque se trata de amar mulheres, lesbiandade não é clube de amigas que odeiam homens, lesbiandade se trata de mulheres que amam outras mulheres.

Por: A. Fênix.

1 - Quando falo em sexualidade não estou falando em identidade sexual e sim no fato de que existe afeto, desejo e sexo.

PS:Agradeço imensamente às leitoras que deram um feedback, isso é muito importante para nós!!!


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Reedukação é a Chave

Faz parte da missão
denunciar a opressão
semente patriarkal
brotando destruição do nosso ideal
akorda menina
isso é rivalidade feminina
vou repetir a mesma ladainha
erva daninha
redução de danos
tá nos meus planos
o privilégio ke faz kalar
as manas ke se sentiram intimidar
ora é uma porra ora é risível
kem tem menos é mais invisível
intelecto ki zomba
não não num é kizomba
antes fosse
se tornou amargo um doce
as mágoas vem pra fora
em forma
de lágrima
e fúria
rajadas de injúria
sabedoria é prátika da utopia
cheia de palavra e ação vazia
não adianta mudar de país
não adianta se eskonder
se a raiz
du problema tá em você
sangue ferve
kabeça verve
vontade de sumir
vontade de morrer
mas tenho ke assumir
mas tenho ke korrer
por mim
pelas irmã
é assim assim ke é
agente é u clã
kem pode mais
tem ke socializar kom as demais
ke não tiveram acesso
du kontrário é retrocesso
ouça
reparação histórika
as preta não vai lavar sua louça
lembra kem teve vivência diaspórika
as pobre vai falar mais
dos seus sonhos e ideiais
não vem pregar teoria
komo se fosse uma bíblia
nem todo mundo sabe ler inglês
mal falamos u português
mudar u modo de falar
pra di verdade somar
reedukação é a chave
ke abre essas grade
apoya mutua e sororidade
tem ke fazer parte
do nosso kotidiano
todo dia um pouko pratikando
a revolução
entendeu sapatão
se for mesmo das nossas
guerreira
naõ vira as kostas
mana verdadeira
tem ke olhar pra trás
e ver u legado dus ancestrais
uma tátika
de preservação
da nossa koletividade sapatão
na Áfrika
kuando uma pessoa
dá mankada
na boa
ela é levada
na aldeia pro centro
pra olhar pra dentro
de si
e ai
toda komunidade
sem maldade
Mostrar mensagem original


lembra du brilho
ke ela emitiu kuando nasceu
pra kaminhar nu trilho
lição de vida
das antiga
já reparou
ke na tv em programa de humor
preta, pobre, nordestina
homem, mulher e menina
é motivo de piada
minha gente sendo ridikularizada
orra
essa zorra
põe ator embrankecido de black face
rindo do amargor
da vida du povo excluído
vai vendo a cena
kuando eu era pekena
meu tio falava
mal de baiano
desprezava
todo ke vinha desse kanto
makacheira, farinha rapadura
e todos nordestino
ke leva vida dura
por ironia du destino
pra você vê
meu tio é descendente da terra du dendê
aki em São Paulo
prekonceito kontra nortista é mato
skinhead desgraçado
esse nazi anda armado
de faka, soko inglês, tako de beiseboll, butterfly
e noiz vai
delatar
as atrocidade
ke us pilantra aprontar
esteriótopo da komédia
pra distrair a klasse média
e oprimir u povão
num dá mais não
geraçaõ de lukro pros negócios
dos patriarkas, xenofóbikos
racistas e elitistas
são prátikas facistas
de kontrole kapitalista
minha função é kontra kultura
ritmo e literatura
preservar a memória
rekontar a história
du meu povo milenar
Ikamiabas, Amazonas e Yás
kombater us atake
na rima nu atabake
aprender kom um gunga
no kompasso da zabumba
bumba bumba bumba meu boi
marakatu num foi
fikou na veia
us bombo incendeia
a pisadadu kôko
é frenétiko é loko
minha kara
samba reggae uma arma
markou u koração
faço a oração
a labrys é meu patuá
pras maldade nõa me pegá
indigená é radikal
afro punk antikapital
foi u tambor foi u tambor
foi u tambor
ke chamou
meu amor

Por: Formiga

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A saúde sexual da lésbica: porque não nos importamos tanto com ela?

[Esta é a primeira postagem de uma série sobre saúde lésbica, tratando não só da saúde sexual, como também da emocional, psicológica... Em breve, mais textos sobre o assunto, aguardem!]

Saúde é um tema que não é muito discutido entre lésbicas. Quem de nós se sente confortável em falar para a outra sobre algum receio nosso com relação à nossa saúde? De onde esse medo vem?

Enquanto mulheres, somos ensinadas que todo assunto relacionados a nós é um tabu, desde masturbação e vagina até qualquer assunto mais simples que seja. Isso causa um medo muito grande de debater questões de saúde que precisam ser debatidas e que por muitas vezes são colocadas em segundo plano (ou em terceiro), o que pode ser bem preocupante e negativo. Visto que estamos falando de lésbicas, vemos isso fica bem pior. Somos mulheres que se relacionam afetivo e sexualmente somente com outras mulheres, logo, é necessário que cuidemos de nossa saúde. Neste ponto aqui, falo especificamente da saúde sexual.

Você, lésbica, que está lendo, quantas vezes você já fez um teste de DST na vida? Você sabia que é necessário que seja feito esse teste pelo menos uma vez por ano? Não estou falando isso porque somos um “grupo de risco”, como tentam nos fazer acreditar de modo que cada vez mais nos sintamos sujas e criminosas por sermos lésbicas, e sim porque é necessário, é uma questão de saúde. Você pode, sim, pegar uma DST ao se relacionar com outra mulher, e você precisa, sim, fazer esse teste e se informar sobre o assunto. Precisamos estar a par desse assunto, pois ele nos diz respeito tanto quanto a qualquer outra pessoa. E precisamos, sim, debater sobre isso, compartilhar conhecimento, experiência, modos de prevenção, pois, como bem sabemos, não há um tipo de prevenção para lésbicas a não ser aquele que adaptamos para as nossas relações.

Bom, há uma proteção para sexo oral chamada Dental Dam [http://jornalluas.blogspot.com.br/2008/02/voc-j-ouviu-falar-de-dental-dam.html – nesse link há uma explicação sobre o que é e como funciona em português], porém ela não é vendida no Brasil, é preciso exportar através de alguns sites, sendo a Amazon o site mais popular a se comprar. Entretanto, por mais que seja barato, nem todas nós temos dinheiro para comprar ou um cartão internacional.

Então, como podemos nos prevenir?

É possível usar um filme de plástico durante o sexo oral, afinal, a maneira mais comum de se transmitir uma DST é através do sexo oral, já que algumas doenças encontram na mucosa da boca uma porta de entrada para o microrganismo. E tem mais! Não é recomendado também fazer sexo oral logo após ter escovado os dentes e ter usado o fio dental, pois pode-se ferir a gengiva e isso facilita a transmissão de algumas infecções.

“Mas, Papo Reto, e o gosto que sentimos ao fazer o sexo oral, como fica? Ah, o gosto... <3”

Sim, sabemos que isso compromete de sentir o gosto, além de quem já usou relatar que não é confortável. Mas, segundo dizem, existe camisinha própria para a língua. Sim! O problema é que são vendidas em Sex Shops... Nem todas gostamos de ir a Sex Shop (eu, Lacuna, por exemplo), mas digamos que nesse caso é necessário.

Há outras dicas que você pode encontrar nesse link: http://sapatomica.com/blog/2012/06/14/sexo-seguro-e-sexo-inteligente-2/.

E tem mais, faça Papanicolau pelo menos uma vez por ano. Ele pode detectar doenças como HPV e demais infecções. É muito importante que seja feito esse exame todo ano. Também é importante fazer o exame chamado “ultrassom transvaginal”, pois este pode detectar tumores, sangramento vaginal anormal, infecções (assim como o Papanicolau), pólipos uterinos, dor pélvica e também a endometriose.

É difícil irmos à ginecologista, pois por muitas vezes não nos respeitam e não nos examinam, e isso faz com que tenhamos traumas. A lesbofobia nos consultórios nos faz abandonar a ginecologista, e isso faz com quem não saibamos como anda a nossa saúde vaginal, e não podemos deixa-la de lado. Infelizmente, é necessário a ida à ginecologista, ou pelo menos nos informarmos de métodos para nos examinarmos em casa e de nos tratarmos de maneira natural e segura. Porém, isso não anula a necessidade de irmos à ginecologista, de fazermos exames. Não sabotemos nossa saúde, pois ela é importante.

Por: Lacuna Rat