segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Algumas violências lesbofóbicas pelas quais passei

A primeira ideia do que eu poderia ser me surgiu aos 10 anos de idade. Foi estranho, confesso, por vir de uma família conservadora, naquela época ainda mais conservadora que agora. Eu não havia tido contato (nem mesmo por televisão) com mulheres como eu. Não tinha noção que mulheres poderiam amar mulheres, mas já havia tido contato com objetificação da lesbianidade. Durante os abusos que sofri por parte do patriarca da família, ele fazia questão de mostrar em vídeos relações entre mulheres. Me enojava (além de tudo que já estava acontecendo comigo) saber que aquele escroto usava da exploração daquelas mulheres para seu prazer e usava da exploração do amor entre mulheres, mesmo que na época eu não soubesse definir o que sentia. Conforme o tempo passava eu aprendia que eu sofreria muito por ser quem sou, fui aprendendo a me defender. Por mais que eu tentasse resistir, era pesado demais pra uma criança. Na adolescência tive a oportunidade de ter duas vidas. Fui estudar em outra cidade, comecei uma vida naquela cidade e me escondia sob a imagem de heterossexual no bairro onde morava. O que não durou muito tempo, todo o bairro sabia quem eu era, mas escondiam, faziam de tudo pra se enganar e não permitir com que eu me assumisse. Na outra cidade, entretanto, eu não precisava me esconder. Eu era livre, eu era eu. Eu me permitia ser sapatão.

 E mesmo com meus longos cabelos e lápis preto nos olhos, ninguém se enganava, bastava um olhar pra saberem quem eu era, o que eu sou. Na mesma medida em que me libertava na outra cidade, criava mecanismos para me defender das violências que me aguardavam onde morava. Mecanismos esses que incluíam me feminilizar. Doía, doía demais. Me feminilizar não era algo que eu havia aprendido a gostar, era uma caverna cheia de estilhaços que caíam sobre meu corpo e me machucavam todos os dias. Uma caverna que eu me via obrigada a entrar para sobreviver mesmo morrendo um pouquinho a cada dia. Aos 17 anos, já havendo deixado o Ensino Médio e a cidade onde era livre, agora trabalhando no Centro da grande cidade onde morava, tão longe de meu bairro suburbano quanto a outra cidade, continuava a seguir minha liberdade longe da família. Até que um homem, com seus 40 anos, me comprou. Comprou minha liberdade, meu sexo, minha vida durante dois anos. Eu que durante aquele tempo havia me apaixonado e me envolvido com algumas mulheres, não tinha forças pra me libertar daquela situação. A depressão, adquirida na infância devido aos primeiros abusos, piorava cada vez mais. Estupros e mais estupros. Cabeça enfiada no travesseiro durante os atos, ouvindo “sei que você é sapatão, assume logo”. Só não sei se foram os piores anos da minha vida devido aos meus primeiros abusos.

Após tanta violência, consegui ajuda psicológica. Já nas primeiras consultas, pude perceber que eu precisava me aceitar por sobrevivência. Eu precisava me libertar antes que aquela prisão me matasse internamente. Eu estava a beira do precipício. Depois de um longo processo de cuidado interno, houve a catarse. Me libertei de quem me violentava. Não permiti mais chegar perto do que causava dor. E gritei ao mundo inteiro minha sapatonice. Gritei, inclusive, a quem se recusava a ouvir. Grito e continuarei gritando, para que mulheres que passem pelo que passei busquem força em minha luta pra também se libertar. Grito para evitar dor às minhas. Grito para fortalecer as que se sentem desabando. Grito para incomodar todos os que fizeram e fazem com que o fato de eu ser quem sou ainda me machuque. Grito para que meu amor ecoe no resto do mundo e se torne salvação a todas as mulheres que amam mulheres e não se veem capazes de serem felizes. 

K.SCUM

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A pedofilia e o sistema heteropatriarcal

Há alguns meses escrevi um texto sobre como a cultura da pedofilia é enraizada no sistema heteropatriarcal, eu fiz o texto quando a Mc Melody apareceu fazendo shows pra machos adultos. Bom, volto a falar (e a repostar alguns trechos do texto) diante da situação em que homens adultos fazem referência a uma menina de 12 anos de cunho sexual, em que um programa de ~humor~ compara uma menina de 9 anos com uma panicat e que um apresentador (Jô Soares, pra ser mais exata) diz que tinha sonhos eróticos com uma menina de 9 anos (e sabe o que mais incomoda? Todo mundo acha engraçadão).

Enfim, a pedofilia é tão naturalizada que fazer piadinhas sobre isso em redes sociais ou em uma emissora de grande porte como é a Globo não dá nada. "É só uma piada" eles dizem. Mas ninguém se preocupa com a menina de 9 anos que de fato é abusada por homens, ninguém se preocupa com a menina de 12 anos que é explorada sexualmente, ninguém se preocupa com a menina de 15 que é estuprada dia após dia pelo pai. Quero dizer, eu me preocupo, minhas amigas se preocupam, nós nos mobilizamos dentro do que é possível nos mobilizarmos, mas o sistema? Ah, o sistema trabalha para que estupradores pedófilos se escondam atrás de suas piadinhas, para que se sintam acolhidos por seus iguais, afinal, piada é piada. E o mais incrivel é que se se vitimas de pedofilia se unem para combater a pedofilia então uma gama de homens de bem (geralmente brancos, heterossexuais e cristãos, não vamos ser hipócritas) se unem para fazer uma penca de piadas (piadas, piadas) acerca do que essas mulheres passaram, ora, só ver o que aconteceu com a hashtag meu primeiro assédio, a chuva de homens fazendo piada e claro, sendo acobertados pelo sistema, afinal, eram só piadas. Esses mesmos homens provavelmente casados, com namoradas, mães e filhas; e aí eu via muitas mulheres tentando fazer com que eles sentissem um minimo de empatia "poderia ser sua mãe, filha, esposa" e tudo o que tinham como resposta eram mais piadas. Sabem porque? Apesar de a mídia explorar mais os casos em que garotos são abusados (porque no sistema heteropatriarcal homens serem corrompidos é um crime contra a masculinidade dos mesmos) mais de 80% das vitimas de pedofilia são meninas, mais de 90% dos abusadores são homens e destes, quase 70% tem acesso fácil a essas meninas (ou seja, são pais, avôs, tios, primos, pastores, padres, professores e por aí vai) são esses homens que invadem mobilizações e as enchem de piada simplesmente PORQUE HOMENS NÃO TEM EMPATIA COM MULHERES.

Não importa o tão legal seja seu amigo, ele vai achar um jeito de te culpar pelo abuso sofrido, idem pro seu namorado. "Ah, mas nem todos abusam" é verdade, mas se você parar pra pensar muitos deles já tentaram abusar de tantas formas de meninas (na escola, na faculdade, em festas) que eu me arrisco a dizer que se da minha lista de amigos se salvarem 10%, é muito. Os homens são os maiores consumidores de pornografia, prostituição e pedofilia. São eles que sustentam esse sistema, o sistema só vai falir quando e se homens deixarem de consumir. Sabem quando isso vai acontecer? Nunca. Muito se fala em guerra à pedofilia, mas mulheres estão em guerra desde os tempos mais remotos do patriarcado, só que agora nossas armas são outras, mas ainda temos que combater todo um sistema e não se combate um sistema sem antes apontar seus agentes e denomina-los. Está na hora de sairmos do modo stand by e not all man e assumirmos que todo homem de alguma forma, direta ou indiretamente, é mantenedor da pedofilia e assumirmos a posição de sermos a acusação, o juri e as juízas em casos de estupro e pedofilia. O sistema trabalha a favor deles, mas podemos abalar o sistema trabalhando por nós mesmas.

Segue abaixo alguns trechos do texto:

{...} mas em conversas informais cheguei à conclusão de que corpos femininos infanto-juvenis sempre foram explorados de modo sexual/sensual pela mídia, o que me leva a perguntar: porque nos mobilizamos tanto à respeito desse caso especifico enquanto meninas sempre foram expostas pela mídia?
Minha resposta é a de que nos “acostumamos” a ver corpos femininos infantis sendo explorados nos meios de comunicação. Isso porque, desde a tenra idade,somos expostas aos programas e produtos que a mídia produz e essa produção vai ao encontro daquilo que os que estão no poder querem tornar comum. Então afirmo que, foi e é papel da mídia fazer com que a exploração de corpos femininos infanto-juvenis seja normalizado, já que a mídia corresponde ao modelo social e econômico no qual estamos inseridos: o patriarcado, enquanto modelo social/sexual de dominação do sexo feminino pelo sexo masculino; e o capitalismo enquanto modelo econômico de exploração trabalhista e de consumo.

Afirmando, então, que a mídia trabalha pelo e para o sistema, posso então apontar quem são os agentes beneficiados no sistema: homens. Quem detém como propriedades os meios de comunicação e produção são, em maioria massacrante: homens; produtos,filmes, músicas, séries, games etc cujo teor seja meramente sexual/sensual tem como alvo principal: homens*. Então, os agentes beneficiados do sistema contribuem diretamente para a exploração dos corpos femininos. Estaria afirmando que todo homem poderia vir a ser um potencial pedófilo? Minha resposta é a de que sim. Vou explicar o porquê. Homens recebem, durante sua socialização, noções de que corpos femininos pertencem a eles, e como corpos femininos eu quero dizer qualquer pessoa do sexo feminino, seja adulta ou criança. Se eu levar em consideração que a pedofilia seja um “desvio de sexualidade, uma patologia” posso aqui afirmar que apenas um quarto de homens que abusam ou abusaram de crianças (de maioria do sexo feminino) poderia ser encaixado na “patologia da pedofilia” (http://www.juridicohightech.com.br/…/definicao-dapedofilia.…), o que me faz pensar que homens que abusam de meninas o fazem porque querem, porque foi dado a eles o direito sobre os corpos femininos.

A história (que é androcentrada, então irei me referir como história dos homens) me diz que o incesto era normalizado e instigado na Grécia Antiga (berço da Democracia), homens podiam tomar para si suas filhas e filhos; na Idade Média, crianças eram vistas como pequenos adultos, assim normalizando estupros e pedofilia dentre tantos outros exemplos na história dos homens. Há também colaboração de instituições históricas para que a pedofilia seja, senão normalizada, apagada, como no caso da ICAR que segue desde a Idade Média escondendo e transferindo padres assediadores e pedófilos.

O convívio me diz que, senão todos, boa parte dos homens que já conheci fazem ou fizeram comentários relacionados a meninas do tipo “essa, quando crescer, vai ser uma putinha”, “essa, quando crescer, vai ter um fogo daqueles”, “ah se você não tivesse apenas 8, 9, 10 anos”, “ah se você não fosse minha sobrinha, prima,afilhada”. O que esses homens fazem com esses comentários senão tentar erotizar as ações e corpos de meninas?

A mídia responde a essa erotização colocando meninas em programas voltados ao público adulto,dançando com tops e mini saias tal qual faz com mulheres adultas. Os corpos são explorados pelas câmeras tal qual se faz com mulheres adultas. Isso é normalização da erotização dos corpos infantis. Mas quem são os consumidores desses programas? Provavelmente homens que acham comum assistir o teen porn como se isso não fosse, mais uma vez, a erotização da infância e adolescência, esses mesmos homens que se indignam quando se fala em pedofilia e estupro são os mesmos que alimentam a rede de produção da erotização infanto-juvenil, são os mesmos homens que compartilham fantasias com colegiais e se indignam porque o que está entre quatro paredes morre em quatro paredes (http://g1.globo.com/…/pedreiro-preso-por-abuso-de-jovem-em-…), mas Sheila Jeffreys nos diz que: “O sexo é tampouco uma mera questão privada. Na concepção masculina liberal, o sexo foi relegado à esfera privada e visto como um domínio de liberdade pessoal no qual as pessoas podem expressar seus desejos e fantasias individuais. Mas a cama está longe de ser privada; ela é uma arena na qual a relação de poder entre homens e mulheres é atuada de forma mais reveladora.”
Sendo assim, o sexo é a expressão política do domínio masculino sobre os corpos femininos, as fantasias não são mera liberdade, são construções acerca daquilo que vivenciamos e experimentamos durante a vida, sendo assim, a erotização dos corpos infanto-juvenis está diretamente ligada a socialização e construção sexual masculina, estando alguns mais ou menos ligados a esse tipo de erotização.

Então, há um conceito muito claro de normalização da erotização infanto-juvenil. Havendo então a normalização, passamos à mercantilização de produtos que possam vir a colaborar com a erotização infanto-juvenil. Vieira; Quadros; Souza nos dizem que: Esta relação da mídia com a indústria mercantil se dá pelo fato das duas estarem ligadas por meio da “informação”sendo que uma vive desta (mídia) e outra trabalha através desta (indústria mercantil). A indústria mercantil, utilizando-se do trabalho da mídia, coloca a venda produtos que, inicialmente, pertenceriam ao publico adulto feminino, como mini-saias, tops, maquiagens, sapatos de salto alto etc. Tudo isso para que os corpos de meninas possam então ser igualmente romantizados e erotizados como os de mulheres adultas.

A indústria coloca à venda a feminilização, fragilização, submissão e erotização de meninas e o sistema corrobora para que isso se torne comum e de bom grado, afinal, é “só um sutiã de bojo”, “é só uma sandália de salto alto”, é só a indústria tentando vender o ideal de que “meninas são tão mulheres”, quando na realidade meninas são só meninas e devem ser tratadas como tal. Também, a indústria e a mídia tentam incansavelmente fazer dos corpos de mulheres adultas o mais infantilizado possível. Vemos mulheres com expressões infantis, frágeis, fazendo poses sensuais; temos o estímulo à depilação como se pelos não fossem naturais ao corpo da mulher adulta. A infantilização dos corpos adultos corrobora com a idéia da erotização da infância.

A erotização dos corpos de meninas e adolescentes é muito mais comum do que imaginamos, é explorado e exposto a todo o momento pela mídia. A busca pela libertação da mulher deve se iniciar na busca pela libertação de meninas que são rotineiramente assediadas e abusadas por homens, que são continuadamente traficadas e exploradas sexualmente, que são cotidianamente expostas na mídia a serviço de um sistema que as aprisionará enquanto finge que estão livres para suas próprias escolhas. Nenhuma menina ou mulher estará livre enquanto houver outras meninas e mulheres sendo exploradas.

[...] A violência sexual masculina não é trabalho de indivíduos psicóticos, mas o produto da construção normativizada da sexualidade masculina [...] Sheila Jeffreys.

*Me refiro a homens tanto como classe sexual quanto como indivíduos, uma vez que não consigo diferenciar o individuo de sua classe, já que enquanto classe e/ou individuo submetem mulheres à opressão patriarcal.

Por Marx Lopes

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Mas, você sempre foi lésbica? - Por A. Fênix



E os namoradinhos? Huuumm, você e esse seu amigo aí eim, não sei não. 

Uma adolescência baseada em comentários toscos e de cobranças pela heterossexualidade. Assim foi minha adolescência, a adolescência de uma lésbica “não assumida” e que estava fora dos padrões estéticos de feminilidade, aliás, alguém que nunca entendeu direito o porquê não gostar da amiguinha por causa de um cara. 

Claro que presenciei coisas bizarras enquanto adolescente, principalmente adolescente cristã. Vi meninas e mulheres quase saindo no tapa por causa de machos (algumas até saíram), vi meninas engravidando cedo, abortando e todos fingindo que não viam. Mas na realidade quem era o alvo de todos os olhares tortos não eram os caras que engravidavam as minas e depois as faziam abortar ou os caras que abusavam de meninas muito mais novas que eles ou que ficavam jogando charminho pras gurias aproveitando um status de poder que um posto numa igreja permite, os olhares eram voltados para mim, a guria que nunca deu brechas para os caras, a guria que se importava muito com outras meninas e mulheres, a guria que não queria se parecer com o que esperavam dela. Passei por uma fase, dos 13 aos 16 anos em que podia não estar me adequando aos padrões de feminilidade que eram impostos a todas as outras: isso porque eu vinha de periferia e podia me vestir com rappers (homens mesmo) e muitas outras gurias o faziam (não preciso nem dizer que a maioria também era lésbica). Mas com toda a perseguição e bullying que comecei a enfrentar na escola decidi que talvez fosse o momento de me encaixar, por mais doloroso que fosse. Na escola, os guris já sacavam o quanto eu os rejeitava e passaram a me perseguir (e não somente a mim, a outras gurias que também resistiam para ficar com eles) mas por algum motivo eu fui o alvo escolhido. Passei por diversas situações constrangedoras, inclusive de uma vez um guri ir atrás de mim no banheiro, por sorte uma funcionária viu e foi atrás, outras vezes guris tentavam abusar fisicamente de mim e eu era protegida por amigas. Não, a escola não era fácil, principalmente quando os outros alunos percebem que você é lésbica.

Então entrei em uma fase de negação. Não, eu não era lésbica, eu apenas não sentia vontade de ficar com guris por que não era meu momento e obviamente que as lideranças da igreja estimulavam que eu pensasse assim. Então, enquanto na escola eu sofria bullying e perseguição, na igreja eu alcançava um status de poder já que os cristãos prezam tanto pra que meninas e mulheres se guardem para seu escolhido ao mesmo tempo em que estimulam que os guris sejam caçadores implacáveis. Ao alcançar esse status passei a perceber que muitas gurias não se aproximavam de mim. Hoje, mais madura e compreendendo o que é rivalidade feminina e lesbofobia entendo que haviam dois motivos: o primeiro exatamente pelo status que alcancei por ser ~pura~, por me manter longe dos guris, bom, pelo senso comum “as quietinhas comem pelos cantos”, então, possivelmente elas achavam que eu apenas sustentava uma máscara; segundo porque muitas delas sabiam ou achavam que sabiam que eu era lésbica e isso era muito mais grave, quero dizer, você até pode ser uma “vadiazinha”¹ que fica com os caras na surdina, mas lésbica? É nojento. E era assim que muitas delas me olhavam: com nojo.

Quando decidi me encaixar nos padrões passei a usar salto alto, maquiagem e roupas mais justas, sociais e de tons mais claros. Tudo isso me levou à depressão. Bom, obviamente que muita gente comemorou, incluindo minha mãe. Ali não era eu, era alguém que eles haviam construído. Eu sempre ouvia comentários como: “nossa, como você anda bem de salto”, “nossa, como esse lápis realça seu olho”, eu apenas sorria e agradecia como uma boa menina deve fazer. Mas o fato é que eu poderia me montar e performar feminilidade que algumas das outras gurias me olhariam e pensariam: lésbica. Ainda estava lá o nojo que elas direcionavam a mim, toda a raiva e frustração eram lançadas sobre mim. Nunca fui aceita nas rodinhas da igreja, o bulliyng e a perseguição eram disfarçadas e muito mais difíceis pra uma adolescente notar. Então, pra tentar me encaixar eu inventei que estava afim de um cara. Muita gente acreditou, chegaram a marcar um encontro meu com ele e claro que eu não fui. Já estava me traindo o suficiente, não poderia fazer aquilo.

Até então minha única concepção de lésbicas era da irmã de uma amiga da minha mãe. Uma lésbica negra e butch. Me lembro dela num dia de São Cosme e Damião me dando doces e dizendo que eu podia come-los, que não me fariam mal como a igreja dizia. Eu devia ter uns 7 anos. Foi uma das raras vezes que a vi, tornei a vê-la novamente com a companheira dela um tempo depois e nunca mais. E claro, nos cultos ouvia falar sobre gays e como eles eram pecaminosos, nojentos e tudo o mais, mas nunca ouvi falar sobre lésbicas. Tudo o que ouvia falar sobre mulheres é de como elas deviam servir aos homens, de como elas deviam fazer suas vidas girarem em torno de homens. Aí estava um problema, tanto na minha infância quanto na minha adolescência minhas intenções, sentimentos e afetos sempre estiveram voltados para meninas e mulheres, eu nunca foquei minhas energias afetivas em meninos e homens. E isso era muito perceptível dentro da igreja e da escola. Enquanto gurias estavam sendo engolidas pela heterossexualidade e brigando entre si por guris, eu estava ali pra auxilia-las e mantê-las seguras, mesmo sem saber que isso já era minha lesbiandade gritando, não sabia que todo esse cuidado era porque amava mulheres como mulheres. Só me diziam que eu era uma pessoa boa, porque se uma mulher foca em outras mulheres, doa seu tempo e afeto, as auxilia e ajuda, ela só pode ser uma pessoa boa, ela não pode simplesmente as amar enquanto mulheres, as desejar, ela apenas o faz porque é uma boa pessoa, não porque é lésbica!

Ao encerrar o colégio, decidi não parar e logo me aventurei na faculdade. Lá tive o prazer de conhecer um rapaz gay, com quem passei muito tempo conversando sobre ser homossexual em uma família cristã. Até então eu ainda não havia tido coragem suficiente para dizer que sim, eu sou lésbica. Isso me assustava principalmente pelo medo que a religião impunha. Mas aos poucos fui descobrindo como ser lésbica e assumir para mim mesma era libertador. Então chamei uma amiga e disse pra ela: “eu sou gay”, ao que ela imediatamente me respondeu: “você não é gay, você é lésbica”. Desde então eu repito para mim mesma: eu sou lésbica e não há coisa melhor do que ser lésbica, do que me doar para outras mulheres, conviver com elas, as amar, desejar, toca-las e de ter trocas de caricias e de ao fechar meus olhos lembrar como meu corpo reage aos seus toques, beijos e palavras. 

Então a resposta para a pergunta que dá nome a esse texto é: sim, eu sempre fui lésbica, cada parte do meu corpo e mente gritam lesbiandade, gritam amor por mulheres, gritam desejo por elas. Minha lesbiandade não se trata de não querer homens, se trata de querer mulheres; não se trata de querer homens longe, se trata de querer mulheres por perto; minha lesbiandade não gira em torno de como odeio homens, gira em torno de como amo e desejo mulheres.

Eu sou lésbica porque amo mulheres, as quero, as desejo e é pra elas que volto minhas energias afetivas e sexuais, ser lésbica não se resume a homens e mantê-los afastados, se resume a amar mulheres e seguir enfrentando o que for preciso para permanecer as amando. Amar mulheres é o foco da minha lesbiandade, o resto é resistência e consequência.


1- Usei o termo "vadiazinha" por se tratar de algo comumente usado para condenar mulheres.




A. Fênix

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O Estatuto da Família e a conivência à lesbofobia


Primeiramente: gostaria de ver este assunto com tanta visibilidade como foi o casamento gay legalizado nos EUA.

"A Comissão Especial sobre Estatuto da Família (PL 6.583/13) aprovou nesta quinta-feira (24), por 17 votos a 5, o parecer do relator, deputado Diego Garcia (PHS-PR). O texto segue agora para o plenário da Câmara, com a polêmica sobre o conceito de família, que restringe as prerrogativas às famílias tradicionais, excluindo do texto os casais homoafetivos. "

Essa notícia me deixou estarrecida.

Alguns fatos: perante o Estado, um pilar que mantém o capitalismo, o patriarcado e a supremacia branca, "família" é uma instituição formada apenas por um homem e uma mulher, e isto não é nenhuma novidade. O Estado trabalha em benefício dos interesses dos homens, e aliado à Igreja, é uma instituição que serve para a manutenção dos interesses da "família tradicional brasileira". A "família" é a soma da heterossexualidade enquanto regime político, a monogamia, e a naturalização e institucionalização do poder dos homens sobre as mulheres.
Estes interesses, bem específicos, tem a ver intimamente com o controle e exploração patriarcal.
Afinal, a reprodução, é uma das ferramentas de manutenção da exploração sexual e reprodutiva das mulheres. O que caracteriza família enquanto "família", em termos conceituais, é a possibilidade de procriação e manutenção dos interesses dos patriarcas, dos homens, em benefício e privilégio deles. Ter o controle sobre nossas capacidades reprodutivas, é de suma importância. E a família entra aí como uma ferramenta de viabilização.

Este conceito, interligado aos interesses da Igreja, que notoriamente também trabalha em benefício dos homens, coloca a família como uma instituição "sagrada", tornando o conceito inflexível, ou seja, casais formados por gays e lésbicas nunca serão uma família "de verdade", já que não procriam "sob as leis de deus".
Eu gostaria muito de dizer que não me importo em ter minha namorada e meu filho como "família", já que não acredito em uma ressignificação ou reforma deste conceito, mas na total destruição, abolição da instituição família. Gostaria de dizer, que não me importo que as pessoas que eu escolhi amar e conviver, dividir minha vida, não constituem uma "família", já que só por não existir um homem na nossa relação, somos uma resistência à heterossexualidade compulsória, completamente ligada ao conceito de "família". Gostaria de dizer que resistimos à "família", que resistimos ao interesse, poder e controle masculino.

Mas esse projeto de lei aprovado pelos deputados, institucionaliza de maneira bem específica a homofobia, e mais especialmente, a lesbofobia.
A homofobia e a lesbofobia já são institucionalizadas, sabemos. Lésbicas e gays são invisibilizados, marginalizados, agredidos, mortos. E o Estado dá o aval institucional para isso não é de hoje. Somos agredidos e mortos por sermos lésbicas e gays. Nossos filhos são agredidos e mortos porque somos lésbicas e gays. Mesmo se o Estado aprovasse o exato o oposto que este projeto de lei sugere, ou seja, estabelecer enquanto família também uniões formadas por pessoas do mesmo sexo, continuaríamos sendo mortos.
Um exemplo desta afirmação, é o casamento civil homoafetivo, por exemplo, legalizado no Brasil desde 2011, teoricamente reconhece, institucionalmente, "casais formados por pessoas do mesmo sexo de maneira equiparada aos heterossexuais". Com isso, de nada mudou o preconceito simbólico, material e institucional em relação à nós, gays e lésbicas. Continuamos morrendo mesmo podendo casar civilmente. Essa flexibilização também se deve a assimilação do Estado, do capitalismo, perante a nós, e especialmente aos interesses dos homens gays, ricos e brancos.

De maneira alguma o casamento homoafetivo é uma ferramenta revolucionária, mas é uma via que garante alguns direitos básicos, de acesso à alguns reconhecimentos necessários perante o Estado.
Entendo que o reconhecimento que pessoas do mesmo sexo possam formar uma família, e não apenas uma "união vitalícia" como o deputado autor do projeto propõe, é uma garantia BÁSICA E INQUESTIONÁVEL dos direitos BÁSICOS E INQUESTIONÁVEIS de qualquer pessoa, que deveria ser garantida pelo Estado, que deveria ser laico. Negar que podemos formar uma família, é colaborar e reificar com a violência que sofremos todos os dias - eu sempre vou fazer esse recorte: especialmente as lésbicas. Porque não sofremos "homofobia", sofremos LESBOFOBIA, que é somada à misoginia, também institucionalizada.
Negar que podemos formar uma família, é assinar assassinatos contra gays e lésbicas. Negar que podemos formar uma família, é assinar a agressão e assassinato contra nossos filhos. 
E pasmem: nós temos filhos. Inclusive muitas lésbicas e gays, tem filhos biológicos fruto de relações heterossexuais anteriores devido à coerção da heterossexualidade enquanto regime político. No caso das lésbicas, frutos de estupro. 

Reivindico minha união, composta pela minha namorada e meu filho, enquanto família. Não por acreditar que somos "equiparáveis a família heterossexual", porque não somos. Isso seria retirar todo o teor político e a função da família dentro do patriarcado e do capitalismo. Nós somos resistência. 
Essa reivindicação se deve "apenas" para termos o direito institucional de sermos reconhecidos, e nossos direitos de existir com dignidade minimamente garantidos. 
O direito de viver, sem sermos agredidas e agredidos por quem somos não virá assinado pelo Estado, não virá pela mão dos homens. Mas o MÍNIMO que podemos reivindicar de um Estado que SUPOSTAMENTE É LAICO, é que os interesses dos fundamentalistas religiosos não mais afetem nosso direito de existir.
Notoriamente, a aprovação massacrante desse projeto de lei ontem pelos deputados (que segue agora para o plenário da câmara), é um retrocesso, um absurdo que deve ser amplamente debatido, questionado e combatido. Isso como uma consequência de um senado conservador e fascista, como não se via desde a ditadura militar. Não é nenhuma surpresa muito grande que projetos assim seriam votados e aprovados

E acreditem: a direita está se organizando. A Igreja está junto. O papa pop que "perdoa mulheres que abortam", é influência e ativo nesta organização.
Vocês estão assinando mortes de pessoas. São "pró vida" de fetos, mas colaboram com a morte de mulheres todos os dias. São "pró vida" de fetos, mas depois de criança nascida, se for tutelada por pessoas do mesmo sexo, colaboram com a agressão e a morte desta crianças. 
Um argumento comumente usado na promoção da ideia de "família tradicional", é por supostamente visar "o interesse da criança". Fecham os olhos (de maneira bem conivente) para os abusos infantis, estupros e violências cometidas por homens heterossexuais que acontecem nas próprias casas de vocês, família comercial de margarina, mas colaboram com o assassinato dos nossos filhos e ainda fazem comparações absurdas de homossexualidade com zoofilia e pedofilia, como feita ontem na câmara, mais uma vez. Vocês não se importam com as crianças - aliás, essa "preocupação com o bem estar e direito das crianças" também é notoriamente seletiva, racista e misógina.

Vocês são um lixo.

Por Andressa Stefano

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Das especificidades de se descobrir e assumir lésbica para uma mãe

A heterossexualidade é um regime político na sociedade patriarcal (que é mais específico que o conceito de "heteronormatividade"), portanto, é um fato de que é extremamente difícil para qualquer mulher se assumir lésbica quando somos condicionadas e obrigadas a nos relacionar com homens. Além de todo o processo de descoberta da própria sexualidade, quando nos assumimos lesbianas, estamos negando o acesso dos homens sobre nós, e isso é uma afronta ao controle sexual e reprodutivo patriarcal. Para as mães, se assumir lésbica é ter sua lesbianidade questionada de maneira bem específica, já que somos "marcadas" pela heterossexualidade pela maternidade compulsória. Ela está marcada no nosso corpo, nas nossas entranhas, e as nossas crias são uma prova material disso. Não é dada a oportunidade legítima de nenhuma mulher exercer sua sexualidade que não seja para consumo masculino, para as mães, tampouco, já que mães não devem ter vida sexual ativa, só para servir à família, e de forma bem específica, ao patriarca. A maternidade é construída por vários mitos que servem para naturalizar nossa exploração sexual e reprodutiva, e ser mãe, corresponde à um papel social ligado especificamente à ambientes domésticos e a família nuclear. 

A lesbianidade, é uma afronta e uma resistência à esse papel. Ser mãe e ser lésbica é conviver diariamente com essa existência totalmente marginalizada, invisibilizada e ser vista como uma incoerência ambulante. As vivências das mães lésbicas não são homogêneas, mas se encontram de forma parecida em vários momentos. Muitas das mães biológicas tiveram relacionamentos com homens, muitos dos quais duradouros e também abusivos, marcados pela repressão da própria sexualidade, da pressão familiar para manter uma "família tradicional" depois de ter engravidado, já que a figura paterna é vista como de suma importância, mesmo que seja ausente e/ou violenta. A solidão de uma mulher mãe, também colabora para que seja difícil enfrentar sozinha à maternidade e a lesbofobia.
Mães solteiras conhecem de perto o sentimento de abandono, de ser preterida em relações sexuais e afetivas (nem heterossexuais, nem lesbianas). Somos fetichizadas durante a gravidez, durante a amamentação e durante toda a maternagem. Além da fetichização, a romantização, esperam que sejamos maternas e cuidadoras inclusive com quem nos relacionamentos afetiva e sexualmente. Além do medo de sofrer lesbofobia por nós mesmas, temos medo de como a lesbofobia pode afetar nossos filhos e filhas - e isso pode ser ainda mais doloroso. Quando se é mãe e lésbica o alvo é duplo, porque podem machucar facilmente também a criança. Recentemente, um casal de lésbicas foi morto junto com seu filho no RJ, e crianças que tem mães lésbicas são alvos de chacota e violências físicas e psicológicas. E as escolas e os meios sociais, não estão preparados para lidar com uma criança que tem uma mãe solteira, muito menos uma mãe lésbica. Uma forma de nos atingir é atingir nossas crias - e este mecanismo é bem conhecido pelas mães também. As conversas com nossas crias tem que ser constantes, e o cuidado tem que ser redobrado. Não temos que nos preocupar somente como a lesbofobia pode nos afetar, mas como pode afetar nossas crias, e protegê-las (e também prepará-las e fortalecê-las) até onde está ao nosso alcance. 

Diante de tudo isso, muitas mulheres mães que sentem atração sexual e afetiva somente por mulheres, se veem obrigadas a manter relacionamentos heterossexuais para não ficarem sozinhas, para dar uma "figura paterna" para a criança, proteger a cria da lesbofobia e acabam suprimindo a sua lesbianidade por pressão social e um condicionamento violento. Agora de forma mais pessoal, vejo um potencial sapatão em tantas mães, mas que ficam presas ao ex-abusador ou a outros caras, e vejo muito destes motivos que explicitei neste texto colaborando para isso. De forma alguma a culpa é delas, mas gostaria de propor uma reflexão mais profunda sobre isso em grupos de mães, e também em grupos de lésbicas. No mais, sintam-se abraçadas todas você, mulheres mães.

Por Andressa Stefano

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Por que decidi me afastar do movimento feminista por Marx Lopes

Estou me desligando por enquanto do movimento feminista virtual e presencial por fatores que, não envolvem apenas o pessoal, mas também o politico, mas ora, o pessoal não é politico afinal? Então, eu acho que antes de sair e bater a porta atrás de mim e de fato consolidar meu isolamento eu quero registrar algumas experiências que me fizeram tomar tal decisão.

Eu devo aqui antes dizer que eu leio muito, não teorias, mas a vivência de outras mulheres, me importo com elas e elas de fato fazem diferença na minha vida, eu reflito sobre o que escrevem, absorvo e tento colocar em prática aquilo que li, tentando assim fazer da minha militância o mais horizontal e transparente possível. Obviamente que cometi erros durante esses quase três anos de militância, mas sempre tentei ser o mais ética possível, sempre tentando não transformar minha militância em um clube fechado, onde minhas amigas têm razão e qualquer outra mulher, não. Isso nem faz muito minha linha de posicionamento, pelo contrário, as mulheres que me cercam e que são próximas sabem que minha posição sempre será a de apontar seus erros e apesar do acolhimento que ofereço sempre achar que devam enfrentar as consequências de seus atos, assim como enfrento as minhas próprias consequências quando erro.

O ponto que quero chegar é que o Movimento Feminista é grande, forte e ultrapassa a pouca experiência que tenho, ultrapassa os limites virtuais, mas é imaturo e deveras irresponsável e isso está explicito no modo de agir de suas militantes, nas quais eu mesma me incluo. Não há uma linha de ética traçada ou se há, ela é engolida por egos e likes, não existe consenso em como agir em dados momentos, assim, cada qual se guia por aquilo que acredita e passa por cima de outras mulheres. Há alguns dias eu tenho usado com pessoas próximas a expressão “devemos ser estratégicas” porque ser estratégica te faz racionalizar os momentos em que a frustração e raiva possam vir aparecer por quaisquer motivos. O movimento feminista tem sido engolido por passionalidade, tem sido pouco eficaz em alcançar mulheres reais e quando alcança, as afasta. Não são poucas as mulheres que eu pessoalmente admiro e que se afastaram do movimento, são mulheres estrategistas, mulheres reais que deveriam ser ouvidas e em vez disso, foram afastadas como se fossem uma ameaça ao movimento, mulheres que tem muito o que dizer e que, por mais que eu me sentisse incomodada por também ter o dedo na ferida, são mulheres que tem muito o que ensinar e com elas teríamos muito o que aprender.
Para além disso, eu vou colocar aqui também minhas experiências pessoais e minha visão, talvez algumas pessoas se sintam intimamente e pessoalmente incomodadas com meu texto, já peço desculpas desde já, mas para o que eu quero expressar é necessário que minha experiência seja colocada em pauta. Bom, como disse no inicio do texto eu já cometi erros e alguns erros foram graves, erros esses que fizeram com que mulheres se afastassem de mim e que assim permaneçam até hoje e embora isso me incomode porque eu consegui amadurecer, elas tem toda razão e direito de se preservarem de minha presença. Talvez o maior e mais grave de meus erros foi em certo momento em que permiti que minha frustração e raiva por uma situação passassem a influenciar também minha militância, fui extremamente passional e nesse momento pude comprovar o quanto era imatura e irresponsável. De lá para cá, mudei a forma de militar e de como me envolvia pessoal e emocionalmente com as mulheres que passaram a me cercar: tornei-me mais franca, apesar de ainda cuidadosa, tornei-me mais forte para expor situações e tornei-me alguém melhor, mais comedida e responsável, não apenas comigo mesma, mas também com as mulheres que me cercam. Pude trazer isso pra militância e passei em primeiro lugar a traçar limites, a estabelecer prioridades e estratégias, sem nunca desligar-me de alguns valores que aprendi com outras mulheres e os quais quero manter pro resto da vida. Mas assim como aprendi a lidar com algumas situações, ainda me perco em outras e foi exatamente isso que me trouxe um desgaste emocional grandioso.

Há algum tempo eu passei por uma situação que, talvez, para quem não estivesse perto de mim e não saiba o que eu estava passando por aquele período possa parecer drama e até mesmo um pouco de exagero, não me surpreenderia. O que se passou foi que fui exposta a uma situação em que me senti muito mal. Esse incomodo foi real pra mim, eu sofri (e ainda sofro) muito por aquela situação da qual eu tento desde sempre não me lembrar, mas que de alguma forma veio a tona novamente. Por nunca conseguir expressar o que me aconteceu porque algumas das pessoas com quem conversei não acham que minhas sensações seriam reais e reduziram aquilo a um simples mal entendido, me calei, e me calei também por respeito e temor das pessoas que poderiam e estariam envolvidas naquela situação. Eu nunca as procurei de fato para conversarmos sobre o que se passou, procurei apenas para esclarecer outros fatos, eu ainda não me sentia e nem me sinto preparada para lidar com isso, apesar de eu estar escrevendo sobre, pessoalmente, ainda não tenho forças para conseguir expressar o que senti naquele momento. Mas, porque eu estou dizendo isso? Porque aqui eu quero dizer que muitas feministas não levam o que algumas mulheres falam ou sentem tão seriamente, se calam ante a situações que são nocivas para algumas mulheres porque nestas situações muitas vezes estão envolvidas feministas que tem influência e que podem ser e são amigas pessoais umas das outras.

Então, eu gostaria, já finalizando esse texto (o qual estou chamando de suicídio politico e despedida do movimento) que vocês amadurecessem um pouco mais suas ideias sobre ética no movimento feminista, sobre passionalidade e passassem a traçar estratégias que possam ir ao encontro de todas as mulheres, que possam voltar atrás em suas opiniões e atos, analisa-los e se preciso for se posicionar de modo diferente quando houver possibilidade. Não coloquem suas amigas à frente quando se tratar de militância, cobrem postura quando necessário e sempre ouçam umas às outras, principalmente mulheres que já tem experiência e mais do que isso, vivência. Não depositem sua confiança 100% em outras mulheres, elas são passíveis de erro e mais do que isso, elas podem não ser quem vocês pensam que elas são. Mulheres também podem ferir e ser feridas, não passem por cima de seus limites para nada e não permitam que outras mulheres passem por cima. Tentem se manter fortes e tentem compreender as diferenças que suas vivências proporcionam, tentem não cair nas armadilhas de nossa socialização, desconstruam, antes de tudo, rivalidade, pensem na estética depois, não adianta desconstruir  estética quando ainda se mantém valores patriarcais. Deem voz a quem realmente deve ter voz: mulheres negras, periféricas, lésbicas, mães que são constantemente invisibilizadas dentro dos espaços feministas, que  parem de aplaudir ladainha de mulheres classe média alta e coloquem o dedo na ferida e se permitam sentir pra desconstruir. Aqui me desligo momentaneamente (ou não) do movimento feminista, mas continuo ao lado das mulheres que aprendi a amar e respeitar e permaneço aprendendo com tantas outras.

Marx.



terça-feira, 8 de setembro de 2015

Sobre apagamento de lésbicas



O assunto tá batido, mas vendo postagens em grupos de lésbicas (tanto em grupos virtuais, como presenciais), em sua maioria não feministas, sinto a necessidade de escrever novamente. Gostaria de nem sentir necessidade de escrever sobre isso, mas considero de suma importância para a nossa visibilidade e resistência enquanto lesbianas. Senta que lá vem textão (acho que poucas vão ler, mas vai que né):

A última pesquisa recente relacionada à sexualidade, mostra que mulheres estão cada vez menos se assumindo lésbicas. Acredito que seja também, por entenderem que é "apenas um rótulo" ou "se limitando" por se relacionarem apenas om mulheres (argumentos que são comumentes usados em espaços para mulheres lésbicas/bissexuais), pelas tentativas constantes de apagamento e marginalização patriarcais, com um apoio do liberalismo individualista colocado como revolucionário pela esquerda pós moderna - teoria queer e transativismo - que já se tornou a bíblia do mundo LGBT, onde a categoria análise sobre gênero, que considera gênero enquanto "auto identificação" é soberana e inquestionável. E as lésbicas, que ousam questionar essa teoria que corrobora com pedofilia, zoofilia, cultura de estupro e apagamento lesbiano, ou simplesmente ousam dizer que não são obrigadas e não querem se relacionar com mulheres trans por causa do falo, são acusadas de transfobia - que tem sido tratada como prioridade em espaços LGBT e também de espaços feministas - considero isso como uma forma de minar espaços auto gestionados de mulheres e de lésbicas em nome da "diversidade".
Algumas considerações sobre isso:

1) Mulheres não são produtos para serem "rotuladas". Lesbianidade não é um rótulo, é uma categoria política que precisa existir e ser nomeada para que possamos nomear nossas vivências, que são específicas, assim como nossas opressões (lesbofobia). Assim como a categoria mulher ainda existe porque precisamos nos nomear assim para visibilizarmos violências e vivências específicas que nos acometem. Mas nós existimos, resistimos e gritaremos que somos lesbianas, fanchas, caminhoneiras, sapatão. LÉS BI CAS.

2) Não existe limitação nenhuma em se relacionar apenas com mulheres. Essa ideia de que seria uma limitação, é derivada da heterossexualidade enquanto regime político. É notório que nossa lesbianidade, nosso sexo é visto como "limitador" pela sociedade falocêntrica e patriarcal porque não tem envolvimento de falo. O que seria de uma mulher sem um pinto, não é mesmo? (só para deixar evidente que é uma ironia, vai que, né).

3) Parece óbvio ter que dizer isso, mas: nenhuma mulher deve ser obrigada à nada e nem deve sexo à ninguém. Nenhuma mulher deve se relaciona com pessoas do sexo masculino caso não queira, mesmo que estas pessoas se "auto identifiquem" como mulheres. Nenhuma mulher deve ser coagida, ser acusada de transfobia, e "desconstruir preconceito contra falo" (como se isso fosse possível, já que a sociedade é falocêntrica, e o pênis é idolatrado e visto como a cura para as mulheres, inclusive pelos cientistas, pela psicanálise; diferentemente da vagina, que é vista como algo inferior, nojento, mal cheiroso) numa tentativa absurda de justificarem à coerção do sexo hetero para lésbicas em forma de "desconstrução de preconceitos".

4) Existem categorias de análise diferentes sobre gênero.

- Existe uma visão individualista, que entende gênero como algo passível de auto-identificação. Essa categoria de análise, é derivada de uma política liberalista, que entende que a subjetividade do indivíduo está acima de construções sociais, que são coletivas e não são escolhas - de fato, todo indivíduo é único e tem suas subjetividades, mas até nossas subjetividades são moldadas pelo meio em que vivemos.
Essa categoria de análise entende gênero enquanto uma "pluralidade" e algo que deve ser celebrado, reificado, e que cada indivíduo poderia escolher à qual gênero "se identifica", de acordo com a maneira que "se sente". Se uma pessoa foi designada homem ao nascimento, foi socializado como homem, mas "se sente" uma mulher, esse indivíduo é uma mulher (trans). Se uma pessoa foi designada como mulher ao nascimento, socializada como mulher, mas "se sente" um homem, é um homem (trans). Assim como acreditam ser possível que qualquer indivíduo que se identifica com nenhum gênero, ou com todos os gêneros, ou que flui entre os gêneros.
E isto seria um fato inquestionável, já que a auto-identificação é soberana.

- Existe uma outra categoria de análise, materialista, que entende gênero enquanto uma hierarquia, criado como ferramenta para naturalizar a exploração das mulheres. Essa categoria de análise entende que o gênero não é uma auto-identificação, mas uma imposição que serve aos interesses masculinos: crianças do sexo feminino, desde que que descobrem sua vagina, tem sua existência social definida por isso. Nascem e nos furam as orelhas, mutilam o clitóris, são criadas como inferiores, frágeis, e a feminilidade (outra ferramenta criada para interesse masculino para a manutenção do patriarcado) se mostra presente desde a tenra socialização, assim como a heterossexualidade enquanto regime político e a maternidade compulsória. Já a socialização masculina, é bem diferente do citado acima.
Tudo isso nos torna mulheres perante a sociedade, assim como é intrínseca a construção do que é "ser mulher" baseado no "ser homem", já que eles são os agentes, e nós, os objetos. Já que não existe o "ser mulher" sem um homem (mulheres lésbicas, especialmente as despidas de feminilidade, escutam com certa frequência homens as ameaçando de estupro corretivo para se "tornarem mulheres"). Um ponto bem importante desta categoria, é entender mulheres enquanto uma classe sexual - ou seja, temos algumas vivências semelhantes devido à nossa leitura social de mulheres, devido à nossa vagina.

Um ponto extremamente pessoal que quero colocar aqui, é que entendo a maternidade como o grau mais alto de exploração das mulheres apenas por serem mulheres, como forma de "cumprir seu papel social". É celebrada nas propagandas de dia das mães, falsamente recompensada pelo "amor incondicional" pelos filhos, mas é exploração, sofrimento, anulação para muitas mulheres (mesmo as que fazem questão de manter a figura de mãe feliz, perfeita e que não reclama de nada), e que ainda enfrentam o cargo da criação dos filhos sozinhas e são culpabilizadas pelo que quer que façam.
Por fim, essa análise não entende gênero enquanto um sentimento, ou algo passível de "auto identificação", mas uma ferramenta para naturalizar a exploração sexual, reprodutiva e laboral das mulheres, que deve ser abolida, e não reificada. É entender que nenhuma mulher escolheu ser mulher, porque isso seria dizer que nos identificamos com a nossa própria submissão e exploração.
Isso significa que, se não existir gênero, não existirão hierarquias entre os sexos. Homens e mulheres são diferentes, mas nossas diferenças biológicas não justificam a ritualização da nossa submissão, nem sermos tratadas como inferiores apenas por termos vagina.

*Obviamente, existem outros sistemas de exploração que andam concomitantes ao patriarcado, recortes de raça e classe são extremamente necessários nesta análise, perpassando pela socialização, mas aqui me dedicarei exclusivamente à esse ponto, até porque não tenho carga teórica o suficiente para isso e muito menos vivência.

5) Depois de entender estas duas categorias distintas sobre gênero, é de suma importância nos questionarmos: o que então é ser mulher? O que é ser lésbica?
O que é ser mulher? É a roupa que visto? É a saia, o vestido? É o salto alto, a maquiagem? Eu me sinto mulher? O que me faz "me sentir mulher"? Sou mulher porque me "sinto assim" ou porque me "tornaram mulher" porque nasci com uma vagina de acordo com a leitura social patriarcal?
Ser lésbica passa por apenas a auto-identificação enquanto lésbica, ou ter vivência enquanto lésbica? Qual é a história da comunidade lésbica? O que significa ser lésbica em uma sociedade falocêntrica e patriarcal? O que significa amar, se relacionar afetiva e sexualmente somente com mulheres? O que significa negar o acesso masculino aos nossos corpos em uma sociedade em que nosso corpo é público enquanto somos solteiras, e privado se somos casadas com homens - mas de toda forma, de domínio masculino ? Por que é necessário enxergar nossa lesbianidade enquanto política de resistência?

Ademais, não duvido que pessoas trans realmente "se sintam" do gênero oposto, porque só nos identificamos e sentimos com aquilo que nos é apresentado. Mas isso não quer dizer que não devamos questionar se essa categoria de análise é producente para a nossa classe sexual ou não como forma de libertação das mulheres do controle masculino.

6) É extremamente violento para lésbicas despidas de feminilidade serem colocadas como "homem trans". A feminilidade é uma ferramenta de manutenção patriarcal, é uma ferramenta para nos manter frágeis, submissas, delicadas, está à serviço da supremacia masculina e do capitalismo. A feminilidade deve sim, ser desconstruída, não apenas pelas lésbicas, mas por todas as mulheres. Isso não quer dizer que você está proibida de usar maquiagem ou se depilar, mas que é importante se questionar o porquê disso, qual é a origem desse ritual e para quê/ para quem ele é mantido. Nossos gostos pessoais também são construções sociais.
Lésbicas despidas de feminilidade, que resistem à feminilidade, são resistência, e não são homens automaticamente porque recusam a feminilidade. Essa lógica é bem patriarcal, e reificada em espaços LGBT, invadidos pelo transativismo. Reflitam sobre o quão é violento dizer para uma lésbica, que se relaciona exclusivamente com mulheres, despida de feminilidade, que ela é um homem trans por isso. Que a disforia que ela sente em relação ao seu corpo, não é fruto da misoginia patriarcal, e que é 'ok' a mutilação do seu próprio corpo "para se sentir bem". E que ao invés de desconstruirmos a misoginia e lesbofobia internalizada, devemos reificar cirurgias plásticas mutiladoras, o uso de hormônios que também beneficiam a indústria farmacêutica capitalista. E isso inclusive reifica a lógica da heterossexualidade, onde sempre tem que existir "um homem e uma mulher" numa relação. E que inclusive esses papéis sociais de "homem e de mulher" devem ser reificados em relações lésbicas (coisas como "ativa e passiva", "lady ou bofe" e políticas identitárias). Um homem trans que teve vivência lésbica, seria "homem hetero". Enquanto mulheres trans, que sempre viveram enquanto homens e que sempre se relacionaram com mulheres, são "lésbicas". O apagamento da lesbianidade é notório.

E isso vem sendo colocado de forma extremamente normalizada. Homens trans, em sua maioria que viveram a vida toda como lésbicas, são pessoas excluídas de espaços de lésbicas e bissexuais porque são "iguais homens cis" (deixando evidente que nem uso o conceito "cis" por entender culpabilizador, já que nem uma mulher escolheu ser mulher ou se sente mulher, nós somos obrigadas a sermos mulheres). Não são iguais. Não tiveram socialização masculina, não foram lidos enquanto homens desde a tenra infância, não são agentes da exploração masculina e da dominação dos homens sobre as mulheres.

- Mas o que tudo isso significa para as nossas vidas enquanto lésbicas, de fato? -

Qualquer pessoa tem o direito de se auto-identificar como quiser, porém, esse individualismo liberal está invadindo espaços coletivos, de auto organização e resistência, de maneira que lésbicas estão sendo coagidas à engolirem a teoria de identidade de gênero sem ao menos poderem questionar, por que são acusadas de transfobia. Que são acusadas de transfóbicas por não se relacionarem com pessoas do sexo masculino ou porque reivindicam a lesbianidade enquanto uma resistência ao pinto, portanto, não existiriam "mulheres trans lésbicas".

Fica nítido que o trabalho do patriarcado, aliado ao liberalismo, em nos apagar à todo custo está sendo cumprido com sucesso, apesar de grupos marginalizados que insistem em ser resistentes, que enxergam sua lesbianidade de maneira política, e também à todas as lésbicas que resistem, mesmo sem politização nenhuma sobre sua sexualidade - a existência enquanto lésbica já é uma própria resistência.
Nós, lésbicas, lesbianas, sapatas, fanchas, nos nomeamos assim e não deixaremos de existir. As políticas neoliberalistas, inclusive sobre a categoria de análise sobre gênero e sobre lesbianidade devem ser combatidas enquanto resistência.

Mana, você tem todo o direito de questionar teoria de identidade de gênero e tem todo direito de discordar. Se você é silenciada em qualquer espaço que seja ao fazer estes questionamentos, é porque tem alguma coisa errada. Estude, leia, converse com outras lésbicas, em outros meios, menos hostis à sua existência e a sua sexualidade. Você não está sozinha.
E você tem todo o direito do mundo de se recusar se relacionar sexualmente e afetivamente com mulheres trans sem ser acusada de transfobia.
Você tem todo o direito de reivindicar sua lesbianidade enquanto xoxota com xoxota, cola velcro. Tem todo o direito de retomar a história da comunidade lésbica, de lembrar que existimos e resistimos ao falocentrismo.
Um beijo pras sapatão.

Por Andressa Stefano

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Visibilidade lésbica? Ou invisibilidade?

Estamos na semana da visibilidade lésbica, e, conforme manda o figurino, era para estarmos tendo nossas pautas levantadas, discutidas e respeitadas, era para estarmos tendo diversos eventos sobre nós, era para estarmos tendo textos sobre nós. Entretanto, somos esquecidas e invisibilizadas a tal ponto que nem mesmo na semana que deveríamos ser relembradas, o fazem.


Nós, lésbicas, temos a todo momento a nossa sexualidade apagada, seja por homens que nos fetichizam e não nos respeitam, seja pelo movimento LGBT que apaga lésbicas e não trata de nossas pautas, que joga nossas vivências pelo ralo e as trata como algo menos importante.


Mas, afinal, o que é ser visível? O que é visibilidade lésbica?


Visibilidade é termos espaço para falarmos de nós mesmas, de nossas vivências lésbicas, é podermos falar de prevenções sexuais para lésbicas, é conseguirmos que nos vejam como lésbicas e nos respeitem, e que não nos tratem como indecisas, modinha, desviantes que precisam ser “corrigidas”. Que tenhamos visibilidade na sociedade, ou seja, que sejamos reconhecidas enquanto lésbicas, e isso implicaria em não termos mais que ter medo de levarmos nossa namorada/companheira conosco a lugares, pois não correríamos mais o risco de sermos rechaçadas e agredidas, em não termos mais que justificar para pessoas heterossexuais o motivo de já termos nos relacionado com homens, e que isso não fizesse com que essas pessoas achassem que têm o direito de nos desrespeitar e de forçar-nos a conhecer homens, visto que, para essas pessoas, só estamos passando por uma fase “indecisa”.  É termos nossas relações respeitadas, é termos nossas relações vistas como relações, e não como “apenas duas amigas”, “colegas, é termos uma representatividade real, e não essas migalhas estereotipadas que a mídia nos dá como forma de calar a nossa boca. É não sermos forçadas a nos relacionarmos com as ditas “mulheres trans”, porque, afinal, lésbica se relaciona com mulher, mulher mesmo, aquela que nasceu com vagina, e não com quem possui um falo, é não sermos usadas por mulheres heterossexuais e bissexuais e depois descartadas, é não termos que explicar que ser butch e ser femme nada tem a ver com ser “passiva” ou “ativa”, pois sempre usam isso para transformar nossas relações em performances de relacionamentos heterossexuais.


E porque somos invisíveis?


Porque o patriarcado nega a nossa existência duplamente: por sermos mulheres e por sermos lésbicas. Não somos reconhecidas como mulheres na sociedade, somos vistas como mulheres que querem ser homens, que performam o gênero errado (isso dá margem para nos forçarem a acreditar que somos homens transsexuais. Há um texto sobre isso aqui no blog). Nós batemos de frente com o macho patriarcal apenas por existirmos, pois provamos que uma mulher não precisa se relacionar com um homem para ser completa. Ela não precisa de nada do que a sociedade heteropatriarcal impõe como felicidade, pois na verdade tudo isso que essa sociedade mostra só serve ao homem, e não a ela.


Somos invisíveis porque nossa visibilidade assusta e faz com que o macho patriarcal tenha medo de que a sua dominância caia. Somos invisíveis porque é mais fácil nos invisibilizar e fazer com que a heterossexualidade compulsória continue existindo do que nos visibilizar e libertar as mulheres da compulsoriedade heterossexual. Somos invisíveis porque a mulher não importa nessa sociedade, muito menos uma lésbica.


A existência lésbica é uma ameaça para o patriarcado, por isso somos invisibilizadas. A lesbiandade liberta a mulher das amarras patriarcais que servem ao homem, ela deixa a mulher livre para viver plenamente, e é por isso que temos nossa existência negada. O homem não quer que saibamos que é possível ser lésbica, que a heterossexualidade é um sistema de controle e que quem rege o mundo é o homem, e que este não se importa com nada além de si mesmo. Conforme disse Solanas (1967) “o macho é um egocêntrico total, um prisioneiro de si mesmo incapaz de empatizar ou de identificar-se com os outros, incapaz de sentir amor, amizade, afeto ou ternura. É um elemento absolutamente isolado, inepto para relacionar-se com os outros, suas reações não são cerebrais, mas viscerais; sua inteligência só lhe serve como instrumento para satisfazer seus impulsos e suas necessidades. Não pode experimentar as paixões da mente, as interações mentais, somente lhe interessam suas próprias sensações físicas. É um morto vivo, uma excrescência insensível impossibilitada de dar, ou receber, prazer ou felicidade. Consequentemente, e no melhor dos casos, é o cúmulo do tédio, é apenas uma bolha inofensiva, pois somente quem é capaz de absorver-se nos outros possui encanto. Preso a meio caminho numa zona crepuscular entre os seres humanos e os macacos, sua posição é muito mais desvantajosa que a dos macacos: ao contrário destes, apresenta um conjunto de sentimentos negativos – ódio, ciúmes, desprezo, asco, culpa, vergonha, incerteza – e, o que é pior: tem plena consciência do que ele é e do que não é.”
Mas dia 29, não é para bissexuais também?


Não, dia 29 de agosto é o dia que comemora, relembra e é dedicado ao 1º Senale (Seminário Nacional de Lésbicas) que ocorreu em 1996, bissexuais tem uma data especifica para que possam pedir por suas demandas. É importante frisarmos o quanto o 29 de agosto é representativo para a comunidade lésbica e o quanto ver outras pessoas, que não lésbicas, tentando usar deste dia é violento para lésbicas. Nós não temos espaço de fala em lugar algum, o movimento LGBT prioriza primeiramente as demandas e pautas de homens gays e mulheres transexuais (o que me intriga, já que mulheres transexuais também foram socializados enquanto homens, eu diria que rola broderagem?), nossas vivências tem sido constantemente desqualificadas e desmerecidas pelo movimento Feminista que tem se colocado de modo liberal ao adotar o discurso da bissexualidade e o “amor à pessoas” colocando, mais uma vez, lésbicas à marginalidade e as coagindo a se adequarem e se relacionarem com homens. O feminismo tem andado de mãos dadas com o movimento LGBT em busca de apagar e silenciar lésbicas e tem aderido ao discurso transativista de que lésbicas podem ser homens trans pelo simples fato de não se relacionarem com homens. Mulheres lésbicas tem sido constantemente perseguidas e excluídas por feministas com o intuito de as silenciarem  e desvincilharem a imagem do Feminismo das Lésbicas. Feministas tem buscado por aprovação de homens e, tem, efetivamente, afastado lésbicas do movimento.  O dia 29 de agosto não é relembrado por esses movimentos por se tratar de dar visibilidade e voz à mulheres marginalizadas. Não nos esquecem por acidente, nos esquecem porque andam de mãos dadas ao heteropatriarcado, porque incomodamos quando gritamos e nos impomos, incomodamos quando resistimos e quando nos negamos a nos adequar aos padrões destes movimentos. O dia 29 é pra relembrarmos que somos muitas e que quando nos unimos fazemos barulho, incomodamos e o patriarcado treme ante nossas palavras, ante nossos relacionamentos, ante nossa presença.

Sapatão
Fancha
Cola-velcro
Tesoura
Tribadista
Roçadeira
Caminhoneira
Butch
Femme
Lady
Subversão
Histórias não contadas
Histórias mal contadas
Histórias exterminadas
Violências sofridas
Violências vividas
Violências sentidas
Luta até a exaustão
Feridas abertas
Feridas cicatrizadas
Feridas anestesiadas
Pela dor
Pelo rancor
Por amor
Amor, amar
Amor, lutar
Amor, gritar
Amor, combater
Amor, sobreviver
Sobreviver e ser
Ser do bem
Ser do mal
Ser alguém
Ser marginal
Existir
Transgredir
Resistir
Ser. Lésbica.
Por: Lacuna Rat e Marx Lopes

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Sobre Monogamia e não monogamia: olhares de duas lésbicas sobre relações

Uma visão lésbica sobre monogamia

Os modelos de relacionamento monogâmicos e não monogâmicos são constantemente discutidos em espaços feministas, porém há uma falha enorme ao analisar ambos os conceitos de um ponto de vista lésbico. O apagamento de lésbicas e a nossa constante comparação a homens não é nenhuma novidade para nós, o intuito desse texto é dar a minha visão de mulher lésbica e radical sobre a monogamia entre mulheres lésbicas.


       Pra começar uma discussão sobre monogamia entre lésbicas o primeiro passo a ser dado é deixar a heteronormatividade e deixar de lado esse pensamento de que a monogamia lésbica é de alguma forma, comparável à monogamia entre um homem e uma mulher. O conceito de monogamia, o conceito radical, sequer se encaixa as relações de exclusividade entre mulheres. Monogamia é um modelo de relacionamento criado com o único objetivo de facilitar a exploração de mulheres em um relacionamento sexual. A mulher, tratada como propriedade, pertencendo a um homem que a possui e a explora. A monogamia no conceito heterossexual é essencialmente uma relação de poder de cunho sexual homem-mulher em que uma mulher é pertencente a um homem que tem toda a liberdade social do patriarcado para explorar essa mulher de diversas formas.


        Tratar relacionamentos exclusivos entre mulheres da mesma forma que é tratada a monogamia heterossexual é o mesmo que afirmar que existe “um homem da relação” entre duas mulheres e nos mergulhar em heteronormatividade, pra variar. Relacionamentos lésbicos não são nem de longe horizontais, isso é uma falácia muito repetida e que tem que acabar. O grupo “mulher” não é um grupo homogêneo e existem várias formas para que um relacionamento entre mulheres seja desigual e potencialmente abusivo, sim. Mas ao dar à exclusividade entre mulheres o mesmo peso da monogamia heterossexual estamos criando um poder de dominação baseado em sexo que não existe entre mulheres. A relação de poder homem-mulher é algo que socialmente jamais vai se aplicar em um relacionamento lésbico.
    Existe, além dessa problemática, a nossa boa e velha socialização feminina. Mulheres são socializadas pra se sentirem um lixo, pra se sentirem ameaçadas e pra serem inseguras por outras mulheres. O discurso não monogâmico muitas vezes ignora essa variável e tende a demonizar mulheres que são “ciumentas” ou “inseguras” demais, quando na verdade é apenas a nossa socialização falando. Isso é cruel com essas mulheres, e isso tem que acabar. Há vários motivos dentro dessa socialização (e fora dela, também) que levam uma mulher a não se sentir segura em relacionamentos não monogâmicos, e isso não deve ser ridicularizado nem ignorado. Mulheres lésbicas já ultrapassam uma barreira profunda, dolorosa e enraizada, a heterossexualidade compulsória, para se relacionarem. Nós passamos um processo doloroso interno e externo, psicológico e social pra sequer começarmos a nos relacionar entre si. Nós resistimos a uma doutrinação profunda que tenta nos esmagar a partir do momento em que saímos dela, e dizer que de alguma forma relacionamentos exclusivos entre mulheres contribuem ou colaboram ao patriarcado não é apenas ofensivo, como doloroso à essas mulheres. A exclusividade entre mulheres, por si só, não é opressiva e esse não é um modelo menos correto de relacionamento do que outros. Aliás, sequer existe um modelo correto de relacionamento, estão todos passíveis a serem abusivos. Sendo abertos ou fechados.
     Qualquer relacionamento entre mulheres pode vir com uma carga grande de reproduções heteronormativas, o patriarcado é heteronormativo, isso é normal e passível de desconstruções. Reduzir um modelo de relacionamento, por si só, à heteronormatividade, ou a ser opressivo é uma ideia simplista e liberal. Os problemas nos relacionamentos entre mulheres e os motivos que os tornam propensos a serem abusivos vão muito além de um modelo de relacionamento, e reduzir todo o problema a isso, é ignorar todos os reais motivos que causam um relacionamento abusivo e heteronormativo entre mulheres. É simplista dizer que um relacionamento exclusivo entre mulheres não está passível a desconstruções de heteronormatividade. Da mesma forma que relacionamentos não monogâmicos podem ser abusivos e heteronormativos, relacionamentos monogâmicos também podem ser. E podem não ser.
    Mulheres, necessariamente, trazem uma grande carga emocional para um relacionamento. Isso é inerente à nossa socialização que nos expõe rotineiramente a traumas e abusos. O fato de duas mulheres, com essa carga que a vivência como mulher nos expõe (umas mais, outras menos), não se sentirem seguras com relacionamentos não monogâmicos não deve ser algo ridicularizado ou desqualificado. Não existe nenhuma hierarquia de poder sexual entre duas mulheres e nossos relacionamentos exclusivos são tão passíveis de desconstrução quanto qualquer outro.
   Eu, como qualquer outra lésbica não politizada, comecei um relacionamento monogâmico repleto de reproduções heternormativas e coisas problemáticas, que com muito trabalho e com muito apoio entre as partes foi possível a desconstrução de muitas coisas. O modelo de relacionamento não influenciou minha capacidade de desconstrução de algo como, o ciúme. O ciúme entre mulheres não pode e nem deve ser comparado ao ciúme de um homem para uma mulher. O ciúme vindo de uma mulher é nada além de um reflexo direto da nossa socialização que tem muito sucesso fazer com que mulheres se sintam um lixo e, consequentemente, se tornem inseguras sobre si mesmas. O ciúme masculino é nada além de um senso de propriedade sobre uma mulher. Novamente, requer deixarmos de lado a comparação entre lésbica e homem. Nada lésbico é comparável a nada masculino. Mulheres lésbicas possam reproduzir misoginia da mesma forma que qualquer outra mulher, e não devemos nos penalizar sobre isso somente por sermos lésbicas. A misoginia que nós reproduzimos nos nossos relacionamentos (que não é nem de longe exclusividade de um ou outro modelo de relacionamento) pode, sim, ser desconstruída. E um relacionamento exclusivo entre duas mulheres pode, sim, ter limites e respeito aos espaços individuais e às nossas liberdades.
    Manter um relacionamento não é simples, requer cuidado, dedicação à sua parceira. Requer toda uma carga emocional. Quando esse é um relacionamento lésbico tudo é ainda mais atenuado. São duas mulheres que são rechaçadas socialmente, apagadas de espaços e levam um dia a dia passível de violências lesbofóbicas pelo simples fato de existirem e de estarem juntas. A não monogamia requer desconstruções prévias a serem feitas antes de se entrar nesse modelo de relacionamento, e essas desconstruções nem sempre são possíveis dentro da realidade de muitas mulheres, e nós não devemos ser desmerecidas por isso, devemos ser respeitadas. Não vejo a problemática em duas mulheres com cargas emocionais pesadas se sentirem seguras apenas uma com a outra, se dedicarem a cuidarem uma da outra dentro de uma sociedade patriarcal e lesbofóbica. Os relacionamentos lésbicos, essencialmente, vão contra o patriarcado, vão contra a nossa doutrinação de heterossexualidade compulsória e vão contra a dominação masculina dos nossos corpos. A existência lésbica, independente de politizada ou não, é uma existência política. A união, o afeto e o companheirismo entre mulheres desestabilizam e afrontam ao patriarcado. O amor lésbico é revolucionário por si só de diversas formas. Um modelo de relacionamento não é uma sentença para heteronormatividade e nem pra que ela não possa ser desconstruída. Há de se ouvir as lésbicas exclusivas, pararem de nos taxar de colaboracionistas ou de menos radicais por tomarmos a única decisão de nos preservar de algo que vai além dos nossos limites de desconstrução. Portando, a heteronormatividade entre lésbicas pode (e deve) ser desconstruída. Independente de modelos de relacionamentos.


Uma crítica a não monogamia na prática

            Bom, eu tenho discutido muito sobre não monogamia e a forma como se tem discursado e praticado esse tipo de relação. Eu mantive uma relação não monogâmica por cerca de um ano e me tornei adepta e entusiasta do discurso, porém, tenho algumas críticas a fazer.

            Para que eu fale sobre não monogamia eu não preciso necessariamente desqualificar a monogamia porque estou falando de relações lésbicas. Não vejo como uma relação lésbica monogâmica possa ser enquadrada como enquadro relações heterossexuais, não há hierarquia de poder e dominação sexual nas relações lésbicas, pode haver outros recortes como idade, classe social e etnia, pode haver reprodução de heteronormatividade (quais são as nossas bases para relações? O que aprendemos e vemos desde crianças se não a representação de uma figura masculina e outra feminina nas relações? Ou seja, quem domina e quem é dominado), porém, a reprodução de heteronormatividade não ocorre apenas em relações monogâmicas como também ocorre em relações não monogâmicas.

            Então vou dar um breve resumo daquilo que li sobre não monogamia e amor livre. Bom, o amor livre apareceu no século XIX, idealizado por anarquistas para que suas relações fugissem daquilo que o Estado católico-burguês exigia: um núcleo familiar, onde a mulher era propriedade do homem e onde se visava à manutenção de poder. Bom, os anarquistas adotaram o amor livre como forma de desestabilizar aquilo que o Estado esperava de um núcleo homem-mulher. Bom, a mulher aqui era vista como propriedade e, na teoria, a mulher passaria a deixar de ser propriedade de um homem e teria por direito a igualdade de relações afetivas e sexuais de seu parceiro. Mas devo lembrar sempre que, falando de relações heterossexuais, homens nunca foram monogâmicos, sempre tiveram direito e acesso a corpos femininos, o patriarcado nunca lhes tirou esse direito, o amor livre seria apenas a prática desses homens sendo colocada em teoria e passada a mulheres. (Vou apenas ressaltar que qualquer relação heterossexual serve apenas aos homens uma vez que a heterossexualidade é regime político de dominação de homens sobre mulheres, mas esse não é o foco deste texto).

            Mas e aí, e as relações entre lésbicas?
            Bom, ao longo da minha curta caminhada enquanto lésbica feminista já me deparei com muitas outras lésbicas não monogâmicas. Desenvolvi minha própria forma de encarar, teorizar e praticar a não monogamia, fora dos padrões heteronormativos. Eu digo sempre que a não monogamia consiste em criar laços: afetivos, românticos e sexuais. Coloco primeiramente a afetividade como arma de maior potência. Nós somos ensinadas a nos odiar, a ver como inimigas nossas iguais e nossos laços afetivos são sempre colocados em dúvida pelo patriarcado com o discurso de que mulheres não são capazes de criar laços entre si. Não é verdade, o que ocorre é que mulheres quando criam laços entre si se tornam fortes e assim rompem com o opressor. Depois coloco a romantização através dos laços afetivos, isso pode vir a acontecer ou não, depende das mulheres envolvidas. O que ocorre é que podemos sim nos envolver romanticamente com outras mulheres (e quando digo romanticamente não estou fazendo ligação ao amor romântico que o patriarcado nos impõe, mas sim uma relação além da afetividade) e por ultimo eu cito as relações sexuais que não vejo como primordiais, mas sei que temos a necessidade de nos ligar também sexualmente a outras mulheres. O que diferencia a monogamia da não monogamia, além de outras nuances, é o fato de não haver exclusividade em relação aos laços românticos e sexuais, para além disso, sinto que a não monogamia me possibilita um estreitamento de laços afetivos muito maior e livre de qualquer impedimento de ser vivenciado de forma romântica ou não.

            Aqui entra minha primeira e ferrenha critica aos discursos pró não monogamia que ando vendo por aí, estamos tratando a não monogamia como se fosse apenas consumo de corpos por sexo. Esse discurso pró sexo livre, pró liberdade além de liberal é um discurso de risco para saúde de mulheres lésbicas. Liberal porque não há nada de revolucionário no consumo de corpos e apenas isso. O patriarcado espera que nós apenas nos relacionemos sexualmente porque o afeto entre mulheres é um risco ao sistema heteronormativo, então não há revolução em algo que o sistema já espera de nós. Não estou dizendo para que paremos de nos relacionar sexualmente, mas para que problematizemos o discurso do sexo livre e do porque nos incomoda tanto nos ligarmos a outras mulheres através da afetividade além do sexo. Estamos reproduzindo discurso heteronormativo e patriarcal. Um risco à saúde porque não temos acesso a métodos de proteção para relações sexuais. Nós não existimos para o Estado, o Estado não disponibiliza para nós métodos eficazes de proteção, então, ter várias parceiras sexuais é também se colocar e coloca-las em risco. Precisamos nos responsabilizar em relação à nossa saúde sexual e de nossas companheiras.

Eu queria lembrar que nós trazemos conosco uma grande carga de marcas e traumas emocionais, como qualquer outra mulher. Também levamos conosco inseguranças e lições sobre relacionamentos que o patriarcado inseriu a cada uma de nós ao longo de nossas vidas, como vencemos isso e como desconstruímos cabe a cada uma de nós, individualmente e em conjunto, mas é necessário que saibamos que nós não estamos livres de certas reproduções de sentimentos e ações, é hipocrisia afirmar que a não monogamia é a solução para todos os problemas relacionados à questão de relacionamentos entre mulheres, porque não é. Aqui, cabe minha segunda critica: muitas mulheres lésbicas adeptas da não monogamia acham que esse tipo de relação é a salvação em relação a reproduções de certos padrões de ações e sentimentos, como o ciúme. Não é. Vou focar no ciúme, como exemplo. O ciúme entre mulheres nada mais é do que insegurança, porque nos foi ensinado que nós não temos o domínio de nossas emoções, de que somos fracas e de que para manter a outra ao lado é necessário que ela esteja satisfeita, do contrário, ela poderá ir embora optando por outra mulher que supra aquilo que não suprimos. Ora, se a não monogamia se baseia em manter relações afetivas, românticas e sexuais com outras mulheres, como podemos fazê-lo ainda alimentando essa insegurança? Por experiência pessoal eu respondo: não podemos. É preciso que desconstruamos primeiro nossas inseguranças, as analisemos e percebamos suas origens antes que decidamos optar pela não monogamia, quando eu percebi o que me causava certas inseguranças eu demorei muito tempo para desconstrui-las e envolver mais mulheres nisso causou rompimentos e perdas. Obviamente que estamos sempre em processo de desconstrução, mas é preciso responsabilidade e maturidade para saber se já existe segurança para então desenvolver uma relação não monogâmica que vá além do sexo, como já falei acima.

É preciso que estejamos em constantes discussões e debates sobre relações não monogâmicas para que possamos ir além do que discursos de sexo livre e de salvação. A não monogamia consiste em relações, entre duas ou mais mulheres e é necessário que tenhamos sempre em vista que nossas relações devem quebrar e ir além das barreiras já impostas pelo patriarcado, que nossos discursos precisam ir além dos discursos heteronormativos e que nossas relações, monogâmicas ou não, são a chave para a revolução contra o patriarcado. Sem compreendermos a importância e a eficácia de nossas relações para além do campo individual e pessoal não sairemos do lugar e permaneceremos achando o máximo uma série de ações reformistas. Lésbicas são as mulheres que conseguem fazer com que o “pessoal é politico” seja oficializado através de suas relações, incluir nessas relações discursos heteronormativos, liberais e reformistas faz com que nossa luta seja retardada, precisamos ir além do conforto.

Por: Iolanda Brasil e Marx Lopes.