segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Minha Lesbiandade: Terceiro Texto

Este é o terceiro texto da série "Minha Lesbiandade"cujas autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade, por questões de segurança e de conforto, a equipe do blog deixou em aberto para que as mulheres convidadas pudessem optar pelo anonimato, pois bem, respeitando a opção da autora, estamos colocando como anônima. 



Conscientemente, eu me vi atraída por uma mulher a primeira vez aos 13 anos. Muitos anos antes de que eu reconhecesse como lésbica. Conheci Jéssica na escola e ela foi a primeira pessoa que eu conheci na vida que admitia já ter se envolvido com alguém do mesmo sexo. Lidar com aquela informação me trouxe um misto de susto com curiosidade. Mas muito antes de me apaixonar pela Jéssica, ou de perceber qualquer tipo de atração que eu tivesse por ela, eu tinha nela uma grande amiga. 

E dessa amizade surgiu um afeto maior, uma admiração mais intensa, uma vontade enorme de estar perto a todo o momento e por fim, a certeza de que pela primeira vez na vida eu estava apaixonada por uma mulher. 

Carreguei esse sentimento por mais de um ano sozinha, sem coragem de falar com absolutamente ninguém. Nem uma amiga, muito menos algum familiar, ou quem quer que fosse. Não foi algo que eu aceitei muito bem, não era algo que seria visto com bons olhos pelas pessoas do meu convívio social. 

Depois desse ano, veio uma fase de confissão. Continuávamos boas amigas que sentiam uma pela outra muito mais que amizade. Foi com Jéssica também o meu primeiro beijo com uma garota, já com meus 14 anos. E foi ali naquele beijo que eu encontrei a certeza absoluta da minha atração por mulheres. Já tinha me envolvido com alguns garotos anteriormente. Mas o que eu senti naquele beijo com a Jéssica não deixava espaço para qualquer dúvida sobre parte de quem eu era ou sobre o que eu realmente sentia. 

Essa convicção não veio acompanhada de aceitação. Foi o período que deu início à maior batalha interna que eu passei na vida. Não podia me permitir isso, fui ensinada desde que nasci que uma mulher foi criada para se casar com um homem. Essa é a norma, e qualquer coisa que fuja disso é aberração. É sujo, é pecado. 

Sou nascida e fui criada em uma igreja evangélica batista, bastante tradicional. Lembro que a primeira vez que eu ouvi que ‘homossexualismo’ é um pecado gravíssimo foi aos sete anos de idade, muito criança. Aquela informação veio, mas nunca consegui entender muito bem o porquê. Na adolescência essa tecla era batida com mais intensidade. Todos a minha volta faziam questão de deixar muito claro como é asqueroso duas pessoas do mesmo sexo se envolvendo afetivamente. 

Jéssica é uma lembrança que eu guardo com muito carinho. Primeira paixão lésbica, primeiro beijo lésbico. Nos relacionamos por um breve período de tempo, passou. Conheci algumas outras garotas, passaram também. Até me deparar com aquele momento que a consciência começa a pesar e comecei a me cobrar uma postura coerente com o que me ensinaram, postura essa que até então era a que eu acreditava. Chega de mulheres na minha vida. Comecei a lutar fortemente contra esse desejo, contra essa vontade. Acabei me afastando de várias amizades porque ‘do pecado você não se arrisca, do pecado você precisa fugir’. 

Conheci um rapaz nesse ponto da minha vida. Estava com uns 16 anos. Namoramos. Apresentei para os pais. Eles ficaram muito felizes de ver a filha se envolvendo com um bom garoto. Tinha a bênção dos pais, tinha o reconhecimento dos amigos e conhecidos da igreja. Nos viam como um belo casal onde quer que nós passássemos. Felizmente para mim, não chegamos a ter nenhum envolvimento sexual. Ainda com ele, conheci uma garota. Todo aquele sentimento voltou, aquela falta de me reconhecer estando com um homem ficou ainda mais evidente. Não demorou muito para que esse namoro acabasse e eu me envolvesse com outra mulher. 

Aquela sensação de culpa veio logo depois. Não podia estar me envolvendo com uma mulher novamente. Não podia acreditar que esse sentimento ainda perdurava. Decidi novamente tentar parar isso na minha vida. Procurei um rapaz na igreja e me abri com ele. Expliquei minha situação e pedi ajuda. Ele prontamente se dispôs a estar comigo nessa jornada. Disse que deus tinha algo muito maior na minha vida (entenda-se, um homem). Tudo o que ele me pedia pra fazer, eu me dispunha de coração. Passei por todas os clichês cristãos para pecadores. Muito jejum, oração, processos de cura, libertação, desconexão de alma. Tudo o que me prometia cura desse desejo eu me prontificava a fazer. E fazia com muita intenção de que desse certo.

Meio óbvio dizer que não deu certo. Passei 2 anos da minha vida sendo acompanhada por esse ‘guru amigo’. E me envolvi com uma moça da igreja mesmo. Rute o nome dela. Era filha de pastor. Já a conhecia há mais de 10 anos. E nos aproximamos. Nos envolvemos. Nos apaixonamos. Tivemos uma relação que durou um bom tempo. E foi com ela que ‘me arrancaram’ do armário. 

Contaram para os meus pais da nossa relação. E quando eles me questionaram a veracidade disso eu percebi que estava exausta de me esconder, de fugir de mim, de tentar mostrar pro mundo uma pessoa que eu nunca fui. E foi ali que eu falei ‘é verdade sim, mãe. Eu sou lésbica e estou em uma relação com uma mulher’. Foi libertador. Não foi um momento de assumir que eu era lésbica para os meus pais. Foi o momento que eu assumi para mim mesma. E foi uma sensação inesquecível, única, nunca me esquecerei. 

Não fui bem aceita na família, fui expulsa da igreja, vários grandes amigos que eu tinha nunca mais olharam na minha cara. Mas nada, absolutamente nada vale mais que a leveza que eu sinto hoje por poder ser que eu sou sem ter que esconder de ninguém. Sem sentir vergonha ou culpa do fato de amar mulheres. 

Tenho, finalmente, orgulho de ser quem sou.

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