terça-feira, 28 de julho de 2015

Um breve ensaio sobre bissexualidade, heterossexualidade compulsória e bifobia: um estudo além do desejo

Há alguns meses venho tentando conseguir escrever sobre bissexualidade e heterossexualidade compulsória de forma que possa abrir uma discussão sadia entre mulheres bissexuais e lésbicas, coisa que não tem ocorrido. Pretendo aqui abordar tanto a bissexualidade masculina quanto a feminina para que possamos abrir discussões acerca disso.
Relembrando sempre que meu alvo é o sistema patriarcal e a forma como domina mulheres e sua sexualidade.

Mas afinal, de onde surgiu a bissexualidade?

Meu primeiro ponto é levantar de onde surgiu a bissexualidade. Lendo textos de antropologia e também de identidade bissexual (estes sob o viés da teoria queer) todos entram em consenso que a bissexualidade é algo novo, falou-se em bissexualidade primeiramente no século XIX, quando se designava hermafroditas como bissexuais (dois sexos), depois disso, já no século XX passou-se a usar o termo para pessoas que viessem a se relacionar tanto com pessoas heterossexuais quanto homossexuais, assim nascia o uso do termo como o conhecemos hoje. Apesar de o termo ter sido apenas inventado no século XIX sabe-se que na Grécia Antiga, em Roma, no Japão e em algumas tribos indígenas a bissexualidade masculina era estimulada.

Na Grécia havia duas formas que a bissexualidade masculina podia ser encarada: em Esparta a bissexualidade era sinal de honra entre os guerreiros, na ideologia de guerra espartana um homem daria tudo de si na guerra se seu amante estivesse ao seu lado e assim se protegeriam até a morte. As mulheres serviam apenas para procriação e para servirem seus senhores. Já em Atenas, berço dos pensadores, a bissexualidade masculina era estimulada para que homens pudessem passar valores educacionais e morais para os jovens de sua época. O relacionamento entre eles era de mestre/aprendiz e sempre havia um relacionamento amoroso entre estes homens, isso também era honroso e estimulado e mais uma vez mulheres apenas serviam para procriação e para prestar serviços aos homens.

Em Roma a bissexualidade também era vista como sinal de honra e poder para os homens. Eles tinham total liberdade de relacionarem-se entre si, com mulheres e escravos, desde que ainda permanecessem com sua masculinidade intacta, ou seja, desde que eles fossem os penetradores, desde que eles fossem os dominadores, os violentadores.

No Japão, os Samurais usavam o mesmo tipo de ideologia dos atenienses: os mestres passavam seu conhecimento aos mais jovens e não raramente se envolviam sexual e amorosamente com estes, mas, diferentemente dos espartanos, essa relação não era levada ao campo de batalha.  Os japoneses acreditavam que era necessário que os homens tivessem equilíbrio entre Yin (feminino, submisso) e Yang (masculino, dominador) e por isso as relações eram estimuladas.

Em algumas aldeias indígenas para que o Xamã fosse mais ligado às divindades era necessário que ele se relacionasse com os dois sexos, pois acreditava-se que isso traria equilíbrio espiritual ao Xamã.

Então, eu poderia dizer que na idade antiga, antes das religiões monoteístas dominarem o cenário, a relação entre homens sempre foi vista como honrosa, sempre foi vista como algo a dar equilíbrio e como amor e as relações com mulheres serviriam apenas e com único intuito de procriação e servidão ao homem. Eu ainda me arrisco a dizer que nada mudou de lá para cá, a não ser que as religiões monoteístas e o capitalismo colocaram um fim nas relações poligâmicas entre homens com o único propósito de dar legitimidade à posse de mulheres por homens e mesmo que seja de forma sutil, esses sistemas ainda corroboram para que homens permaneçam se amando e mulheres sejam apenas suas serviçais sexuais e domésticas.

Mas e as mulheres bissexuais, onde estariam nesse contexto? Bom, se a relação entre homens era estimulada, a relação entre mulheres não o era, pois mulheres deveriam estar sempre disponíveis para seus senhores e uma segunda relação não tornaria possível tal disponibilidade. O que li me faz acreditar que mulheres mantinham relações entre si sem que seus senhores (esposos) o soubessem, mantinham relações de afetividade, mas nunca de exclusividade, não nas sociedades mistas e não sem o consentimento dos homens, as relações eram sempre para o deleite dos homens e nunca afetivas. As sociedades exclusivas de mulheres (como as Amazonas) faziam com que as relações entre mulheres fossem sempre estimuladas, tanto pela ideologia da guerra quanto pela ideologia da transferência do saber e conhecimento. Nas sociedades exclusivas mulheres podiam se amar sem a presença masculina e sem a imposição da servidão sexual e doméstica dos homens.

Em tempos modernos, como fica a bissexualidade?
          
     Foi exatamente o que me perguntei quando li sobre a história recente da bissexualidade. Pensadores e estudiosos modernos dizem que a bissexualidade seria a sexualidade ideal para todos os seres, uma vez que é necessária a junção macho/fêmea para procriação, ou seja, todo ser humano teria tendência a ser bissexual pela sobrevivência da espécie humana. Isso partindo de estudos da área da psiquiatria e biologia. 

            Mas eu, como feminista radical me coloco a questionar tal visão partindo do ponto que somos estimuladas o tempo todo a nos relacionar com homens, somos estimuladas a ama-los, a ter com eles companheirismo e ser devotas deles e os homens, ao contrário, são estimulados a amarem uns aos outros, a venerar seus pênis e sua força, tudo o que um homem faz o faz para outro homem. Homens amam homens e não mulheres.

            O que os homens fazem e o fazem bem, e o fazem porque o sistema patriarcal os permite é explorar psicológica, afetiva, física e sexualmente de mulheres. Mulheres ainda são vistas como serviçais sexuais e domésticas dos homens. Temos que aqui nos ater ao fato de que o poder institucional pertence aos homens e os homens ditam as normas, aos homens é reservado o direito de ser e ter, os homens SÃO a norma, eles são quem domina, eles são seus próprios deuses e para, além disso, criaram um deus à sua imagem e semelhança para que mulheres permanecessem submissas a eles por meio da força, do medo, do terror, da submissão e da sexualidade.

            Encaramos a heterossexualidade como regime politico uma vez que ela serve para dominação de mulheres por homens, ela serve para que mulheres permaneçam dependentes emocional e financeiramente dos homens, faz com que mulheres acreditem que não são seres autônomos, ao contrário, são seres que precisam de um guia, de alguém que possa lhes proteger, possa lhes proporcionar a maternidade, possa lhes proporcionar o preenchimento de um vazio porque apenas homens podem completar uma mulher e uma mulher nunca será completa sem um homem; a mulher então se torna um sub ser ou o complemento de um ser (porque o homem é um ser completo).

            Não por menos que a heterossexualidade é estimulada para mulheres, porque mulheres precisam ser dominadas, mulheres precisam estar disponíveis para os homens, mesmo que de modo violento, mesmo que se tornando vitima. E como a heterossexualidade serve àqueles que estão no domínio, porque alguém iria dizer que ser heterossexual é violento, ou então porque algum de nossos opressores iria querer nos libertar de um sistema que nos corrompe e violenta? A realidade é que não querem e para tal coisa encontram saídas que se tornem cabíveis para nossa realidade e façam crer que são libertarias quando na verdade mulheres continuam andando para o extermínio através das mãos de seu algoz. E é exatamente assim que vejo a bissexualidade feminina. Mulheres ainda servindo aos homens sob o falso argumento de que podem se relacionar com outras mulheres sem levantar a questão da heterossexualidade compulsória, afinal, mulheres bissexuais também amam mulheres e também se relacionam com mulheres. A minha questão é: quando mulheres bissexuais se relacionam com homens, a quem isso serve? Quando homens utilizam-se dos corpos dessas mulheres, as violentam sob o falso argumento de amor e amor livre, a que isso serve se não para manutenção do heteropatriarcado?

Quando se assume que, mulheres podem amar mulheres e se envolver com mulheres cria-se então um estado de histeria entre os agentes do patriarcado e esses mesmos agentes criam então uma forma de burlar a visão da heterossexualidade compulsória (que seria a dominação de mulheres por homens) e cria a bissexualidade como se fosse uma porta de saída da heterossexualidade compulsória quando na verdade a bissexualidade é mais uma forma de homens conseguirem acesso a corpos femininos e mais do que isso, a corpos femininos que se relacionam com outros corpos femininos, assim fazendo com que a rede de violência criada por e para homens se estenda.

Não quero de forma alguma que mulheres bissexuais sintam-se por mim atacadas ou sintam-se culpadas, mas é necessário que façamos esse tipo de análise, é necessário que saibamos que a bissexualidade é um complemento da heterossexualidade compulsória e este complemento aprisiona mulheres lésbicas sob o argumento de que “ama-se a todos independente da genitália” quando na realidade o pênis é o símbolo maior de violência e poder por parte dos homens. É pelo discurso da bissexualidade e do amor livre que se tem prendido lésbicas e mulheres ao opressor, é por meio desse discurso torto e vazio de argumentos, discurso esse estimulado por homens, que se tem mantido mulheres presas à heterossexualidade e enquanto tivermos mulheres presas a heterossexualidade e enquanto mulheres não compreenderem que apenas a quebra da relação opressor-oprimido é que pode libertar mulheres estaremos de mãos atadas ante ao sistema patriarcal.

Bifobia

            Bifobia é algo que sinceramente eu queria evitar abordar, mas sinto a necessidade. Vamos primeiro falar sobre minha visão de opressão estrutural e para isso citarei Marilyn Frye:
A experiência de pessoas oprimidas é de que suas vidas são confinadas e moldadas por forças e barreiras que não são acidentais ou ocasionais e, por conseguinte, não evitáveis, mas são sistematicamente ligadas umas as outras de tal forma a pressionar indivíduos entre elas e restringi-los e penalizá-los de diferentes formas. É a experiência de ser enjaulado; todos os caminhos, todas as direções, estão bloqueados.

Portanto, opressão é o que inviabiliza o avanço de um grupo social ou étnico, é aquilo que não permite o acesso, é o que restringe a mobilidade desses grupos em meio a sociedade. Limitações e frustrações não são opressão. Alguém dizer a você, bissexual, que você é indecisa não te faz apanhar na rua a não ser que você esteja com outra mulher, um homem te fetichiza porque lésbicas são comumente fetichizadas, porque lésbicas não permitem acesso masculino à seus corpos, alguém te dizer (novamente) que você é indecisa é chato mas não te impede de exercer sua sexualidade e você continuará tendo acesso à demandas sociais que lésbicas não tem, se você bissexual estiver num relacionamento heterossexual (ainda que eu te veja como vitima da heterossexualidade compulsória) você terá o respeito que uma relação heterossexual adquiri na sociedade heteropatriarcal.

Bissexuais não têm seus caminhos fechados quando estão com homens, isso dentro do sistema heteropatriarcal não faria o menor sentido, bissexuais sofrem quando estão em relações lésbicas porque o sistema é heteropatriarcal e odeia mulheres e odeia duplamente mulheres que se relacionam com mulheres. Ficar chateada com algumas situações não as torna opressões, é necessário olhar o macro, se permanecermos olhando o micro eu vou achar que, o fato de eu ser baixinha e não alcançar a corda do ônibus pra dar sinal é uma opressão, mas no que isso me limitaria se o município dispõe de outras possibilidades pra mim, como os botões que estão inteiramente ao meu alcance?


Encerro momentaneamente meu texto por aqui esperando ter sido clara e esperando que possa tem contribuído de alguma forma ao debate e espero sinceramente que possamos avançar sobre essa questão.

Por: Marx.