sábado, 1 de outubro de 2016

Minha lesbiandade: Isabel


Esse é o primeiro texto, de uma série, que fala sobre a descoberta de mulheres lésbicas. Esse é de Isabel, 22 anos, carioca.


Não é um processo simples falar da minha lesbiandade. Em alguns momentos sinto dor, noutros saudade, e vou deixando para me emocionar em dias que estarei mais preparada, dias esses que nunca chegam.
Há sempre como tratar esse processo de forma coletiva ou individual, e todos esses anos optei por tratar de forma coletiva, o que me ajudou a enxergar inúmeras coisas. Hoje vou falar de forma individual sem saber muito bem o que me espera no final dessa escrita. 


Costumo dizer que a minha lesbiandade me define muito mais do que consigo enxergar. Sim, a minha lesbiandade e as respostas sociais à ela foram o que me trouxe onde estou hoje.
Não vivi uma descoberta repentina, mas um processo dolorido. De fato, não tão dolorido e complexo como muitos casos que ouço e vejo, mas não escondo a dor que foi e que é ser lésbica nessa sociedade.
Sempre tive uma grande dificuldade de tratar esse tema sobretudo porque não houve no meu caminho um ponta pé inicial para eu me enxergar enquanto lésbica. 
Prefiro falar focando a partir do momento em que me vi como uma mulher que sentia atração por outras mulheres, mas sem deixar de lado ou questionar qual processo existiu quando achei que estava apaixonada pela primeira vez por uma amiga, aos 11 anos.
Foi quando me sentei pela primeira vez com alguém para dizer "eu gosto de meninas". Foi um processo natural e felizmente sem cobranças, pelo menos naquele momento. 
Com 12 anos isso já não era mais segredo para minhas amigas... 
E também com 12 anos me apaixonei. Era uma paixão de Internet, e talvez justamente por não entender muito do que estava acontecendo, me deixei levar. O nome dela era Juliana, e até os 18 eu fui apaixonada.
Faz anos que não falo com Juliana, e apesar disso, o apresso é imenso. A cada foto que aparece, um suspiro denso, como se fosse religião.
Minhas primeiras e melhores poesias foram e serão sempre pra ela. Foi com ela que eu comecei, dos pensamentos mais ralos, a entender minha lesbiandade. O apresso e admiração agora estavam acompanhados por desejo, amor e vontade.
Mas não só com ela me senti assim, e aos 14 dei meu primeiro beijo e transei com uma mulher. O primeiro beijo não foi a minha comprovação, foi o meu primeiro recanto. Foi nele que encontrei pela primeira vez alguém que era como eu, em que me senti cuidada e protegida, em que me senti igual. Meu primeiro sexo não foi diferente. Antes com a responsabilidade de agir conforme a pornografia -primeiro local que eu encontrei algo sobre a minha sexualidade-, naquele momento tudo foi esquecido, para que eu encontrasse, de forma sutil, um outro corpo feminino nu.


Nas minhas recordações mais bonitas sobre como a minha sexualidade foi aceita, me lembro de uma noite em que sentei em um banco com o meu irmão mais velho. Me lembro de ter certeza desde o momento em que sentei, que ele me perguntaria algo que até então eu não sabia como responder. O céu não tinha nuvem, nem estrelas, o espaço era aberto e aconchegante. "E você, gosta de alguém? Meninos, meninas...". Até aquele momento eu nunca tinha beijado um ou outra, mas confirmei o que ele demonstrava desconfiar. Ele me abraçou e falou "ah, minha menininha!", com tom de quem estava vendo aflorar o desejo de uma mulher que eu estava me tornando, com orgulho por saber que o que eu dizia para ele era uma certeza que muito trabalhei em mim mesma. 


Nas outras recordações, já não tão bonitas assim, me lembro de receber uma ligação de quem chamava de pai para ouvir uma explicação dos motivos pelos quais ele não saía mais comigo. "Eu tenho vergonha de andar com você na rua!". 
Ou do dia em que contei por carta para a minha mãe e ela fingiu não me ver na rua quando eu gritava seu nome na frente de todos os amigos que eu tinha. 
Todos esses processos aconteceram quando eu tinha 14 anos.
Com 15, beijei pela primeira vez um homem, me relacionei com um homem.
Conversei com um amigo sobre me sentir desconfortável com aquilo, e ouvi naquele dia todos os motivos pelos quais eu não poderia ou deveria ser lésbica. 
Continuei ficando com meninas, ainda que sem vínculo emocional, -minhas emoções estavam inteiramente ligadas à juliana- e nesse período eu conheci o feminismo.
Esse processo de feminismo deveria falar sobre a minha libertação, mas é justamente sobre meu aprisionamento.
Dentro da militância liberal, a partir da visão individualista, entendi que a minha liberdade só seria possível se eu tivesse uma grande liberdade sexual. Tive então a minha segunda aproximação com um homem. Um mês depois os laços foram cortados e comecei os meus questionamentos a partir do momento em que a minha vida sexual começou a se amadurecer e meus pequenos relacionamentos eram todos voltados para mulheres. 
Foi quando pela segunda vez estava indo para São Paulo, visitar Juliana. Naquela viagem chorei no banheiro ao ve-la falar com outra, li os poucos conselhos que recebi e voltei para o Rio com a certeza de que eu e Juliana seríamos apenas amigas, e também com a palavra "lesbica" pela primeira vez na boca para me referir. O meu meio do caminho da viagem foi o meio no qual eu me deixei entender meus sentimentos, àqueles criados por orgulho, por amor e por medo.
Meu processo foi em um caminho em que eu entendi cedo o que eu sentia com/pelas mulheres, mas que tardou a entender que eu não PRECISAVA, que eu não era obrigada a me sentir atraída por homens.


Quando me orgulhei como mulher lésbica, era uma militante pelos direitos das mulheres ainda com um vies liberal e até perigoso para nós. 
Quando aceitei olhar e ouvir o que outras mulheres lésbicas tinham a dizer, entendi que não precisaria estar resumida e que eu poderia e deveria começar a questionar espaços que não eram feitos pra mim. Me abriguei na minha maior força, ser lésbica e passar por todo e qualquer degrau de dificuldade que passei nesse processo da adolescência em que ocasiões mínimas e máximas nos montam, me fez criar força e acreditar nela. Ela é baseada na reprodução de toda ferida que me foi aberta. Eu optei por transformar a minha dor em luta por não aceitar que outras lésbicas passem por qualquer situação que eu passei, para que elas tenham o apoio que que eu buscava quando só queria ser eu.


Em pleno resumo, não há como contar detalhes sobre quando apanhei pela primeira vez, sobre quando chorei pela primeira vez, quando eu não mais aguentei pela primeira vez, mas é fácil saber que todas nós tivemos todos esses caminhos sem entender por quê nunca foi fácil. 
O momento em que eu só tinha eu mesma para me abraçar e me perguntar porquê eu era daquela forma, de rezar para quem estivesse disposto a me ouvir para pedir que me mudassem. 


Hoje me asseguro na força que eu e minhas iguais criamos em mim, para que eu siga existindo.


Meu nome é Isabel e eu sou lésbica 
Eu sou lésbica e meu nome é Isabel.

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