Estamos na semana da visibilidade lésbica, e, conforme manda o figurino, era para estarmos tendo nossas pautas levantadas, discutidas e respeitadas, era para estarmos tendo diversos eventos sobre nós, era para estarmos tendo textos sobre nós. Entretanto, somos esquecidas e invisibilizadas a tal ponto que nem mesmo na semana que deveríamos ser relembradas, o fazem.
Nós, lésbicas, temos a todo momento a nossa sexualidade apagada, seja por homens que nos fetichizam e não nos respeitam, seja pelo movimento LGBT que apaga lésbicas e não trata de nossas pautas, que joga nossas vivências pelo ralo e as trata como algo menos importante.
Mas, afinal, o que é ser visível? O que é visibilidade lésbica?
Visibilidade é termos espaço para falarmos de nós mesmas, de nossas vivências lésbicas, é podermos falar de prevenções sexuais para lésbicas, é conseguirmos que nos vejam como lésbicas e nos respeitem, e que não nos tratem como indecisas, modinha, desviantes que precisam ser “corrigidas”. Que tenhamos visibilidade na sociedade, ou seja, que sejamos reconhecidas enquanto lésbicas, e isso implicaria em não termos mais que ter medo de levarmos nossa namorada/companheira conosco a lugares, pois não correríamos mais o risco de sermos rechaçadas e agredidas, em não termos mais que justificar para pessoas heterossexuais o motivo de já termos nos relacionado com homens, e que isso não fizesse com que essas pessoas achassem que têm o direito de nos desrespeitar e de forçar-nos a conhecer homens, visto que, para essas pessoas, só estamos passando por uma fase “indecisa”. É termos nossas relações respeitadas, é termos nossas relações vistas como relações, e não como “apenas duas amigas”, “colegas, é termos uma representatividade real, e não essas migalhas estereotipadas que a mídia nos dá como forma de calar a nossa boca. É não sermos forçadas a nos relacionarmos com as ditas “mulheres trans”, porque, afinal, lésbica se relaciona com mulher, mulher mesmo, aquela que nasceu com vagina, e não com quem possui um falo, é não sermos usadas por mulheres heterossexuais e bissexuais e depois descartadas, é não termos que explicar que ser butch e ser femme nada tem a ver com ser “passiva” ou “ativa”, pois sempre usam isso para transformar nossas relações em performances de relacionamentos heterossexuais.
E porque somos invisíveis?
Porque o patriarcado nega a nossa existência duplamente: por sermos mulheres e por sermos lésbicas. Não somos reconhecidas como mulheres na sociedade, somos vistas como mulheres que querem ser homens, que performam o gênero errado (isso dá margem para nos forçarem a acreditar que somos homens transsexuais. Há um texto sobre isso aqui no blog). Nós batemos de frente com o macho patriarcal apenas por existirmos, pois provamos que uma mulher não precisa se relacionar com um homem para ser completa. Ela não precisa de nada do que a sociedade heteropatriarcal impõe como felicidade, pois na verdade tudo isso que essa sociedade mostra só serve ao homem, e não a ela.
Somos invisíveis porque nossa visibilidade assusta e faz com que o macho patriarcal tenha medo de que a sua dominância caia. Somos invisíveis porque é mais fácil nos invisibilizar e fazer com que a heterossexualidade compulsória continue existindo do que nos visibilizar e libertar as mulheres da compulsoriedade heterossexual. Somos invisíveis porque a mulher não importa nessa sociedade, muito menos uma lésbica.
A existência lésbica é uma ameaça para o patriarcado, por isso somos invisibilizadas. A lesbiandade liberta a mulher das amarras patriarcais que servem ao homem, ela deixa a mulher livre para viver plenamente, e é por isso que temos nossa existência negada. O homem não quer que saibamos que é possível ser lésbica, que a heterossexualidade é um sistema de controle e que quem rege o mundo é o homem, e que este não se importa com nada além de si mesmo. Conforme disse Solanas (1967) “o macho é um egocêntrico total, um prisioneiro de si mesmo incapaz de empatizar ou de identificar-se com os outros, incapaz de sentir amor, amizade, afeto ou ternura. É um elemento absolutamente isolado, inepto para relacionar-se com os outros, suas reações não são cerebrais, mas viscerais; sua inteligência só lhe serve como instrumento para satisfazer seus impulsos e suas necessidades. Não pode experimentar as paixões da mente, as interações mentais, somente lhe interessam suas próprias sensações físicas. É um morto vivo, uma excrescência insensível impossibilitada de dar, ou receber, prazer ou felicidade. Consequentemente, e no melhor dos casos, é o cúmulo do tédio, é apenas uma bolha inofensiva, pois somente quem é capaz de absorver-se nos outros possui encanto. Preso a meio caminho numa zona crepuscular entre os seres humanos e os macacos, sua posição é muito mais desvantajosa que a dos macacos: ao contrário destes, apresenta um conjunto de sentimentos negativos – ódio, ciúmes, desprezo, asco, culpa, vergonha, incerteza – e, o que é pior: tem plena consciência do que ele é e do que não é.”
Mas dia 29, não é para bissexuais também?
Não, dia 29 de agosto é o dia que comemora, relembra e é dedicado ao 1º Senale (Seminário Nacional de Lésbicas) que ocorreu em 1996, bissexuais tem uma data especifica para que possam pedir por suas demandas. É importante frisarmos o quanto o 29 de agosto é representativo para a comunidade lésbica e o quanto ver outras pessoas, que não lésbicas, tentando usar deste dia é violento para lésbicas. Nós não temos espaço de fala em lugar algum, o movimento LGBT prioriza primeiramente as demandas e pautas de homens gays e mulheres transexuais (o que me intriga, já que mulheres transexuais também foram socializados enquanto homens, eu diria que rola broderagem?), nossas vivências tem sido constantemente desqualificadas e desmerecidas pelo movimento Feminista que tem se colocado de modo liberal ao adotar o discurso da bissexualidade e o “amor à pessoas” colocando, mais uma vez, lésbicas à marginalidade e as coagindo a se adequarem e se relacionarem com homens. O feminismo tem andado de mãos dadas com o movimento LGBT em busca de apagar e silenciar lésbicas e tem aderido ao discurso transativista de que lésbicas podem ser homens trans pelo simples fato de não se relacionarem com homens. Mulheres lésbicas tem sido constantemente perseguidas e excluídas por feministas com o intuito de as silenciarem e desvincilharem a imagem do Feminismo das Lésbicas. Feministas tem buscado por aprovação de homens e, tem, efetivamente, afastado lésbicas do movimento. O dia 29 de agosto não é relembrado por esses movimentos por se tratar de dar visibilidade e voz à mulheres marginalizadas. Não nos esquecem por acidente, nos esquecem porque andam de mãos dadas ao heteropatriarcado, porque incomodamos quando gritamos e nos impomos, incomodamos quando resistimos e quando nos negamos a nos adequar aos padrões destes movimentos. O dia 29 é pra relembrarmos que somos muitas e que quando nos unimos fazemos barulho, incomodamos e o patriarcado treme ante nossas palavras, ante nossos relacionamentos, ante nossa presença.
Sapatão
Fancha
Cola-velcro
Tesoura
Tribadista
Roçadeira
Caminhoneira
Butch
Femme
Lady
Subversão
Histórias não contadas
Histórias mal contadas
Histórias exterminadas
Violências sofridas
Violências vividas
Violências sentidas
Luta até a exaustão
Feridas abertas
Feridas cicatrizadas
Feridas anestesiadas
Pela dor
Pelo rancor
Por amor
Amor, amar
Amor, lutar
Amor, gritar
Amor, combater
Amor, sobreviver
Sobreviver e ser
Ser do bem
Ser do mal
Ser alguém
Ser marginal
Existir
Transgredir
Resistir
Ser. Lésbica.