quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Minha Lesbiandade: A.R

Esse é o quarto texto da série "Minha Lesbiandade" onde as autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade



Eu não sei como começar um texto sobre como me descobri lésbica, afinal, é muito difícil remexer no passado, principalmente quando passamos por tantos processos dolorosos até nos descobrirmos. 

Pois bem, vou começar pela minha primeira paixão: minha melhor amiga de infância. Acho que eu tinha uns 8-9 anos quando ela pediu para me ensinar a beijar, porque, segundo ela "quando você der o seu primeiro beijo, você tem que saber como se faz". E, bom, eu deixei. E eu gostei muito e isso me deixou com muito medo. Mas porque uma criança teria medo de ter gostado de um simples beijo? Eu cresci no centro espírita e, ao contrário do que a maioria pensa, eles não são tão "homofriendly" como pensam. Na verdade é como qualquer outra religião cristã, mas não é sobre isso que vim falar, isso fica para próxima. Bom, o fato de eu ser espírita na época influenciou: eu achava errado ter gostado e me sentia suja. Repetimos o beijo algumas vezes depois, éramos crianças, sabe, mas eu já me sentia culpada e implorei para ela nunca contar isso a ninguém. E ela, até onde eu sei, nunca contou. Entretanto, eu nunca esqueci disso e cresci fingindo que esse beijo nunca tinha acontecido. E como eu acreditava ser correto, me forcei a diversas relações com homens para me curar. 

Eu me interessava pelas minhas amigas e fingia que era pura fantasia da minha cabeça, coisa de menina. Isso passa. Na verdade, o que passou foi minha paciência de fingir ser o que eu não era. Passei por 3 namoros com homens e, a cada um deles, eu saía mais traumatizada. Mais crente de que alguma coisa estava errada comigo. Eu não amava nenhum deles, não sentia nada por nenhum deles, o que eu gostava era de conversar com eles, mas isso não caracterizava bem um namoro. Tinha que ter namoro e... É, isso aí que você pensou. E não foi nada legal isso. Nenhum pouco. E nem sempre era consentido. Até que eu quase explodi. Meu último relacionamento com homem calhou de acontecer quando eu estava conhecendo o feminismo e, o que mais me chamava atenção era ler e ouvir sempre que não era um crime ser lésbica, que heterossexualidade era compulsória e etc. Que eu não era heterossexual eu já sabia, só não conseguia aceitar que eu era lésbica.

Então, preferi fingir que era bissexual e continuar no meu "relacionamento". E isso não deu nada certo. No meio desse relacionamento, eu me apaixonei por uma moça e isso me fez repensar tudo, e eu, aos poucos, aceitei que não adiantava mais eu me forçar a algo que eu não queria, não adiantava eu fingir que o meu primeiro beijo não tinha me feito perceber que eu gostava de meninas. Então eu terminei meu "relacionamento" com aquele cara. Depois disso, se deu todo um processo de auto-aceitação. Eu não conseguia me aceitar, era difícil de compreender que eu era diferente daquilo que meus pais esperavam, que eu não me casaria numa igreja de véu e grinalda com um homem, como eles imaginavam que um dia aconteceria, que eu nunca sentiria atração por um homem porque eu não era heterossexual. Que eu não era o que a sociedade esperava de mim. Com o tempo, e isso demorou meses, eu fui me aceitando e criando coragem para contar aos meus pais que eu era lésbica, mas foi numa discussão sobre isso que eu contei para minha mãe. Ela já estava desconfiada e eu não aguentei a pressão. Depois, no meio do ano seguinte, eu contei pro meu pai após voltar a morar com eles devido a uma experiência desastrosa morando fora de casa. E minha irmã sempre soube, então isso nunca foi novidade para ela, eu nem precisei falar que não era bissexual e sim lésbica, pois ela mesma percebeu (beijo criaturinha). 

Não foi fácil passar por tudo isso, nunca é, mas finalmente eu assumi quem eu realmente sou. E desejo que todas que sejam lésbicas consigam o mesmo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Lésbicas: aprendam a ver a si mesmas

A primeira coisa que lésbicas têm que aprender é a ver: ver a si mesma e as outras; reconhecer suas iguais e todos os perigos da própria existência: a primeira coisa que lésbicas têm que aprender é a ver.

Somos invisíveis porque o patriarcado insiste em ver através de nós; porque repugnamos ao nos amar enquanto todo o mundo nos odeia. Se ser mulher é aceitar ódio com discurso de amor, ser lésbica é amar e ser amada enquanto o patriarcado estabelece todo um arsenal de mecanismos punitivos.

Desemprego, estupro corretivo, violência lesbofóbica, marginalização, falta de assistência médica, loucura, solidão, baixa estima.

Ser lésbica é dor pura, antes de se aprender a ver. Visão estabelecida, surgem tantos sorrisos quanto são possíveis. Sorriso e paranóia. As ruas não são seguras. Olhamos para todos os lados antes de cada passo para antecipar os ataques que estão por vir. Ou usamos o escudo da invisibilidade na ciranda normatizada e aceitamos as ameaças do assédio violador a cada passo dado.

Há a ilusão de aceite ao se abraçar a feminilidade. Mas ela garante a solidão da lésbica invisível e os perigos da assimilação heterossexual: o abandono da cultura e da ética separatista; a reprodução da misoginia masculinista e dos padrões de relacionamentos heterossexuais; a a auto tortura em rituais de “beleza” que plastificam e reduzem a existência da mulher à sua estética e à atenção masculina. Isto, também temos que aprender a ver e a sentir.

Espaços separatistas lesbofeministas criam a seguridade e a possibilidade de se escrever nossos próprios paradigmas de relacionamentos. Nós não precisamos do amor romântico e do ciúme doentio que controla e cerceia. Nossas relações são outras e nosso fundamento base é amizade e respeito. Alterar estas relações a partir do sequestro lésbico pela norma heterossexual é oferecer a todas as mulheres presas no estolcomo da heterossexualidade compulsória a possibilidade de ter a mesma relação abusiva que a masculinista, sem desfrutar dos privilégios sociais estabelecidos no contrato heterossexual.

A assimilação lésbica pela heterocultura faz parte do plano de aniquilação patriarcal da rebeldia lesbiana que é inconciliável com os paradigmas patriarcais. Por isso parece tão necessário nos manter vendadas e entusiastas da cultura e da atenção masculina.

Círculos de amizades masculinas, imitação da postura sexualmente agressiva por busca de aceitação e auto afirmação, consumo de música, literatura e arte masculina, socialização em ambientes mistos, aceite da violência masculinista como algo natural e não intencional, aceite da dicotomia butch/femme e reprodução de papéis sexuais em formato da noção inventada de gênero, diminuição da identificação pessoal com a categoria lésbica, aumento de empatia à classe dos homens, transição de gênero com o uso de hormônios masculinos e a reprodução de violências heterossexuais, incluindo o sexo violador, transição de gênero incluindo cirurgia de mutilação corporal, busca de relacionamentos heterossexuais com mulheres heterossexuais; aceite de relações heterossexuais com homens que se dizem mulheres, incluindo o estupro que o PIV constitui, o isolamento, a gravidez, os surtos de violência, a completa absorção do ideário colonizador do homem heterossexual reacionário, que a coloca em papel de sexo feminino com um papel de embrulho de masculinidade. 

O abandono de si mesma para caber nos rótulos dos próprios agressores; o abandono de si mesma para sentar à mesa e apertar a mão dos colonizadores; o abandono de si mesma para acreditar estar ao topo enquanto se é esmagada pelos que realmente estão.

A primeira coisa que as lésbicas têm que aprender é a ver.

E ver o invisível nem sempre é uma missão possível. Pintemos todas nossos corpos e nossas comunidades em néon e façamos um futuro existente e resistente para nós e nossas iguais.

Que seja impossível não ver.

Por: JLo Borges

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Minha Lesbiandade: Terceiro Texto

Este é o terceiro texto da série "Minha Lesbiandade"cujas autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade, por questões de segurança e de conforto, a equipe do blog deixou em aberto para que as mulheres convidadas pudessem optar pelo anonimato, pois bem, respeitando a opção da autora, estamos colocando como anônima. 



Conscientemente, eu me vi atraída por uma mulher a primeira vez aos 13 anos. Muitos anos antes de que eu reconhecesse como lésbica. Conheci Jéssica na escola e ela foi a primeira pessoa que eu conheci na vida que admitia já ter se envolvido com alguém do mesmo sexo. Lidar com aquela informação me trouxe um misto de susto com curiosidade. Mas muito antes de me apaixonar pela Jéssica, ou de perceber qualquer tipo de atração que eu tivesse por ela, eu tinha nela uma grande amiga. 

E dessa amizade surgiu um afeto maior, uma admiração mais intensa, uma vontade enorme de estar perto a todo o momento e por fim, a certeza de que pela primeira vez na vida eu estava apaixonada por uma mulher. 

Carreguei esse sentimento por mais de um ano sozinha, sem coragem de falar com absolutamente ninguém. Nem uma amiga, muito menos algum familiar, ou quem quer que fosse. Não foi algo que eu aceitei muito bem, não era algo que seria visto com bons olhos pelas pessoas do meu convívio social. 

Depois desse ano, veio uma fase de confissão. Continuávamos boas amigas que sentiam uma pela outra muito mais que amizade. Foi com Jéssica também o meu primeiro beijo com uma garota, já com meus 14 anos. E foi ali naquele beijo que eu encontrei a certeza absoluta da minha atração por mulheres. Já tinha me envolvido com alguns garotos anteriormente. Mas o que eu senti naquele beijo com a Jéssica não deixava espaço para qualquer dúvida sobre parte de quem eu era ou sobre o que eu realmente sentia. 

Essa convicção não veio acompanhada de aceitação. Foi o período que deu início à maior batalha interna que eu passei na vida. Não podia me permitir isso, fui ensinada desde que nasci que uma mulher foi criada para se casar com um homem. Essa é a norma, e qualquer coisa que fuja disso é aberração. É sujo, é pecado. 

Sou nascida e fui criada em uma igreja evangélica batista, bastante tradicional. Lembro que a primeira vez que eu ouvi que ‘homossexualismo’ é um pecado gravíssimo foi aos sete anos de idade, muito criança. Aquela informação veio, mas nunca consegui entender muito bem o porquê. Na adolescência essa tecla era batida com mais intensidade. Todos a minha volta faziam questão de deixar muito claro como é asqueroso duas pessoas do mesmo sexo se envolvendo afetivamente. 

Jéssica é uma lembrança que eu guardo com muito carinho. Primeira paixão lésbica, primeiro beijo lésbico. Nos relacionamos por um breve período de tempo, passou. Conheci algumas outras garotas, passaram também. Até me deparar com aquele momento que a consciência começa a pesar e comecei a me cobrar uma postura coerente com o que me ensinaram, postura essa que até então era a que eu acreditava. Chega de mulheres na minha vida. Comecei a lutar fortemente contra esse desejo, contra essa vontade. Acabei me afastando de várias amizades porque ‘do pecado você não se arrisca, do pecado você precisa fugir’. 

Conheci um rapaz nesse ponto da minha vida. Estava com uns 16 anos. Namoramos. Apresentei para os pais. Eles ficaram muito felizes de ver a filha se envolvendo com um bom garoto. Tinha a bênção dos pais, tinha o reconhecimento dos amigos e conhecidos da igreja. Nos viam como um belo casal onde quer que nós passássemos. Felizmente para mim, não chegamos a ter nenhum envolvimento sexual. Ainda com ele, conheci uma garota. Todo aquele sentimento voltou, aquela falta de me reconhecer estando com um homem ficou ainda mais evidente. Não demorou muito para que esse namoro acabasse e eu me envolvesse com outra mulher. 

Aquela sensação de culpa veio logo depois. Não podia estar me envolvendo com uma mulher novamente. Não podia acreditar que esse sentimento ainda perdurava. Decidi novamente tentar parar isso na minha vida. Procurei um rapaz na igreja e me abri com ele. Expliquei minha situação e pedi ajuda. Ele prontamente se dispôs a estar comigo nessa jornada. Disse que deus tinha algo muito maior na minha vida (entenda-se, um homem). Tudo o que ele me pedia pra fazer, eu me dispunha de coração. Passei por todas os clichês cristãos para pecadores. Muito jejum, oração, processos de cura, libertação, desconexão de alma. Tudo o que me prometia cura desse desejo eu me prontificava a fazer. E fazia com muita intenção de que desse certo.

Meio óbvio dizer que não deu certo. Passei 2 anos da minha vida sendo acompanhada por esse ‘guru amigo’. E me envolvi com uma moça da igreja mesmo. Rute o nome dela. Era filha de pastor. Já a conhecia há mais de 10 anos. E nos aproximamos. Nos envolvemos. Nos apaixonamos. Tivemos uma relação que durou um bom tempo. E foi com ela que ‘me arrancaram’ do armário. 

Contaram para os meus pais da nossa relação. E quando eles me questionaram a veracidade disso eu percebi que estava exausta de me esconder, de fugir de mim, de tentar mostrar pro mundo uma pessoa que eu nunca fui. E foi ali que eu falei ‘é verdade sim, mãe. Eu sou lésbica e estou em uma relação com uma mulher’. Foi libertador. Não foi um momento de assumir que eu era lésbica para os meus pais. Foi o momento que eu assumi para mim mesma. E foi uma sensação inesquecível, única, nunca me esquecerei. 

Não fui bem aceita na família, fui expulsa da igreja, vários grandes amigos que eu tinha nunca mais olharam na minha cara. Mas nada, absolutamente nada vale mais que a leveza que eu sinto hoje por poder ser que eu sou sem ter que esconder de ninguém. Sem sentir vergonha ou culpa do fato de amar mulheres. 

Tenho, finalmente, orgulho de ser quem sou.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Minha lesbiandade: Lorena


Este é o segundo texto da série "Minha lesbiandade", cujas autoras contam sobre a descoberta de sua lesbiandade. O texto a seguir é de Lorena, 22 anos, carioca.


Bem, a descoberta da minha lesbiandade foi aos 14 anos. Eu ja tinha beijado homens mas nunca senti nada de mais, e sempre quis beijar mulheres, até que conversei com uma colega da escola e ela era bi, ficamos e logo em seguida transamos, perdi a virgindade com ela. Meus pais descobriram e foi um inferno, meu pai disse que me preferia morta do que lésbica, minha mãe não era contra nem a favor. Depois a condição deles era que eu fosse, mas longe, sem a família saber e sem me expor. 

Um dia contei pra uma prima que eu julgava confiável, mas ela contou pra uma parte da família e meus pais me tiraram tudo: celular, internet, roles. Começaram a dizer que não levavam a sério pq eu não tinha nem transado e nem me relacionado sério com homens. Caí nessa chantagem e acabei ficando com um cara. Mesmo que durante o tempo em que eu estava com ele eu tenha me apaixonado por outras mulheres, eu achava que tinha que seguir tentando fazer daquela ilusão algo bom e real. Acabei engravidando sem querer e, com aproximadamente 6 meses da minha filha, eu vi que tava infeliz demais pra continuar me negando daquele jeito. Terminei e me assumi. 

Meu pai não fala mais nada, minha mãe me apoia, assim que contei que tinha terminado ela disse que sabia que eu ia me assumir, que ela só queria me ver feliz, e ela sabia que eu não estava antes. Comecei a namorar e, quando me senti segura, coloquei no Facebook, assim a família toda soube de uma vez. Ninguém fala nada, pelo menos não para mim. 

No fundo, mesmo com um homem, eu sempre soube, desde aquele primeiro beijo naquela primeira garota, que eu era(sou) lésbica, eu só tentei fugir de mim mesma sabe? Eu achei que se eu enganasse os outros conseguiria me enganar também, mas, não. Não da para viver assim, não da MESMO. Depois que eu aceitei que era(sou) lésbica eu sinto que tirei um peso das costas. 

Hoje em dia eu sou feliz, apesar do medo do mundo em que vivemos, dou a cara a tapa todo dia e não nego mais quem eu sou. 
Não tem nada melhor do que isso. 
Sigo resistindo. 

Lorena, 22 anos, feminista radical.

sábado, 1 de outubro de 2016

Minha lesbiandade: Isabel


Esse é o primeiro texto, de uma série, que fala sobre a descoberta de mulheres lésbicas. Esse é de Isabel, 22 anos, carioca.


Não é um processo simples falar da minha lesbiandade. Em alguns momentos sinto dor, noutros saudade, e vou deixando para me emocionar em dias que estarei mais preparada, dias esses que nunca chegam.
Há sempre como tratar esse processo de forma coletiva ou individual, e todos esses anos optei por tratar de forma coletiva, o que me ajudou a enxergar inúmeras coisas. Hoje vou falar de forma individual sem saber muito bem o que me espera no final dessa escrita. 


Costumo dizer que a minha lesbiandade me define muito mais do que consigo enxergar. Sim, a minha lesbiandade e as respostas sociais à ela foram o que me trouxe onde estou hoje.
Não vivi uma descoberta repentina, mas um processo dolorido. De fato, não tão dolorido e complexo como muitos casos que ouço e vejo, mas não escondo a dor que foi e que é ser lésbica nessa sociedade.
Sempre tive uma grande dificuldade de tratar esse tema sobretudo porque não houve no meu caminho um ponta pé inicial para eu me enxergar enquanto lésbica. 
Prefiro falar focando a partir do momento em que me vi como uma mulher que sentia atração por outras mulheres, mas sem deixar de lado ou questionar qual processo existiu quando achei que estava apaixonada pela primeira vez por uma amiga, aos 11 anos.
Foi quando me sentei pela primeira vez com alguém para dizer "eu gosto de meninas". Foi um processo natural e felizmente sem cobranças, pelo menos naquele momento. 
Com 12 anos isso já não era mais segredo para minhas amigas... 
E também com 12 anos me apaixonei. Era uma paixão de Internet, e talvez justamente por não entender muito do que estava acontecendo, me deixei levar. O nome dela era Juliana, e até os 18 eu fui apaixonada.
Faz anos que não falo com Juliana, e apesar disso, o apresso é imenso. A cada foto que aparece, um suspiro denso, como se fosse religião.
Minhas primeiras e melhores poesias foram e serão sempre pra ela. Foi com ela que eu comecei, dos pensamentos mais ralos, a entender minha lesbiandade. O apresso e admiração agora estavam acompanhados por desejo, amor e vontade.
Mas não só com ela me senti assim, e aos 14 dei meu primeiro beijo e transei com uma mulher. O primeiro beijo não foi a minha comprovação, foi o meu primeiro recanto. Foi nele que encontrei pela primeira vez alguém que era como eu, em que me senti cuidada e protegida, em que me senti igual. Meu primeiro sexo não foi diferente. Antes com a responsabilidade de agir conforme a pornografia -primeiro local que eu encontrei algo sobre a minha sexualidade-, naquele momento tudo foi esquecido, para que eu encontrasse, de forma sutil, um outro corpo feminino nu.


Nas minhas recordações mais bonitas sobre como a minha sexualidade foi aceita, me lembro de uma noite em que sentei em um banco com o meu irmão mais velho. Me lembro de ter certeza desde o momento em que sentei, que ele me perguntaria algo que até então eu não sabia como responder. O céu não tinha nuvem, nem estrelas, o espaço era aberto e aconchegante. "E você, gosta de alguém? Meninos, meninas...". Até aquele momento eu nunca tinha beijado um ou outra, mas confirmei o que ele demonstrava desconfiar. Ele me abraçou e falou "ah, minha menininha!", com tom de quem estava vendo aflorar o desejo de uma mulher que eu estava me tornando, com orgulho por saber que o que eu dizia para ele era uma certeza que muito trabalhei em mim mesma. 


Nas outras recordações, já não tão bonitas assim, me lembro de receber uma ligação de quem chamava de pai para ouvir uma explicação dos motivos pelos quais ele não saía mais comigo. "Eu tenho vergonha de andar com você na rua!". 
Ou do dia em que contei por carta para a minha mãe e ela fingiu não me ver na rua quando eu gritava seu nome na frente de todos os amigos que eu tinha. 
Todos esses processos aconteceram quando eu tinha 14 anos.
Com 15, beijei pela primeira vez um homem, me relacionei com um homem.
Conversei com um amigo sobre me sentir desconfortável com aquilo, e ouvi naquele dia todos os motivos pelos quais eu não poderia ou deveria ser lésbica. 
Continuei ficando com meninas, ainda que sem vínculo emocional, -minhas emoções estavam inteiramente ligadas à juliana- e nesse período eu conheci o feminismo.
Esse processo de feminismo deveria falar sobre a minha libertação, mas é justamente sobre meu aprisionamento.
Dentro da militância liberal, a partir da visão individualista, entendi que a minha liberdade só seria possível se eu tivesse uma grande liberdade sexual. Tive então a minha segunda aproximação com um homem. Um mês depois os laços foram cortados e comecei os meus questionamentos a partir do momento em que a minha vida sexual começou a se amadurecer e meus pequenos relacionamentos eram todos voltados para mulheres. 
Foi quando pela segunda vez estava indo para São Paulo, visitar Juliana. Naquela viagem chorei no banheiro ao ve-la falar com outra, li os poucos conselhos que recebi e voltei para o Rio com a certeza de que eu e Juliana seríamos apenas amigas, e também com a palavra "lesbica" pela primeira vez na boca para me referir. O meu meio do caminho da viagem foi o meio no qual eu me deixei entender meus sentimentos, àqueles criados por orgulho, por amor e por medo.
Meu processo foi em um caminho em que eu entendi cedo o que eu sentia com/pelas mulheres, mas que tardou a entender que eu não PRECISAVA, que eu não era obrigada a me sentir atraída por homens.


Quando me orgulhei como mulher lésbica, era uma militante pelos direitos das mulheres ainda com um vies liberal e até perigoso para nós. 
Quando aceitei olhar e ouvir o que outras mulheres lésbicas tinham a dizer, entendi que não precisaria estar resumida e que eu poderia e deveria começar a questionar espaços que não eram feitos pra mim. Me abriguei na minha maior força, ser lésbica e passar por todo e qualquer degrau de dificuldade que passei nesse processo da adolescência em que ocasiões mínimas e máximas nos montam, me fez criar força e acreditar nela. Ela é baseada na reprodução de toda ferida que me foi aberta. Eu optei por transformar a minha dor em luta por não aceitar que outras lésbicas passem por qualquer situação que eu passei, para que elas tenham o apoio que que eu buscava quando só queria ser eu.


Em pleno resumo, não há como contar detalhes sobre quando apanhei pela primeira vez, sobre quando chorei pela primeira vez, quando eu não mais aguentei pela primeira vez, mas é fácil saber que todas nós tivemos todos esses caminhos sem entender por quê nunca foi fácil. 
O momento em que eu só tinha eu mesma para me abraçar e me perguntar porquê eu era daquela forma, de rezar para quem estivesse disposto a me ouvir para pedir que me mudassem. 


Hoje me asseguro na força que eu e minhas iguais criamos em mim, para que eu siga existindo.


Meu nome é Isabel e eu sou lésbica 
Eu sou lésbica e meu nome é Isabel.