sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O Estatuto da Família e a conivência à lesbofobia


Primeiramente: gostaria de ver este assunto com tanta visibilidade como foi o casamento gay legalizado nos EUA.

"A Comissão Especial sobre Estatuto da Família (PL 6.583/13) aprovou nesta quinta-feira (24), por 17 votos a 5, o parecer do relator, deputado Diego Garcia (PHS-PR). O texto segue agora para o plenário da Câmara, com a polêmica sobre o conceito de família, que restringe as prerrogativas às famílias tradicionais, excluindo do texto os casais homoafetivos. "

Essa notícia me deixou estarrecida.

Alguns fatos: perante o Estado, um pilar que mantém o capitalismo, o patriarcado e a supremacia branca, "família" é uma instituição formada apenas por um homem e uma mulher, e isto não é nenhuma novidade. O Estado trabalha em benefício dos interesses dos homens, e aliado à Igreja, é uma instituição que serve para a manutenção dos interesses da "família tradicional brasileira". A "família" é a soma da heterossexualidade enquanto regime político, a monogamia, e a naturalização e institucionalização do poder dos homens sobre as mulheres.
Estes interesses, bem específicos, tem a ver intimamente com o controle e exploração patriarcal.
Afinal, a reprodução, é uma das ferramentas de manutenção da exploração sexual e reprodutiva das mulheres. O que caracteriza família enquanto "família", em termos conceituais, é a possibilidade de procriação e manutenção dos interesses dos patriarcas, dos homens, em benefício e privilégio deles. Ter o controle sobre nossas capacidades reprodutivas, é de suma importância. E a família entra aí como uma ferramenta de viabilização.

Este conceito, interligado aos interesses da Igreja, que notoriamente também trabalha em benefício dos homens, coloca a família como uma instituição "sagrada", tornando o conceito inflexível, ou seja, casais formados por gays e lésbicas nunca serão uma família "de verdade", já que não procriam "sob as leis de deus".
Eu gostaria muito de dizer que não me importo em ter minha namorada e meu filho como "família", já que não acredito em uma ressignificação ou reforma deste conceito, mas na total destruição, abolição da instituição família. Gostaria de dizer, que não me importo que as pessoas que eu escolhi amar e conviver, dividir minha vida, não constituem uma "família", já que só por não existir um homem na nossa relação, somos uma resistência à heterossexualidade compulsória, completamente ligada ao conceito de "família". Gostaria de dizer que resistimos à "família", que resistimos ao interesse, poder e controle masculino.

Mas esse projeto de lei aprovado pelos deputados, institucionaliza de maneira bem específica a homofobia, e mais especialmente, a lesbofobia.
A homofobia e a lesbofobia já são institucionalizadas, sabemos. Lésbicas e gays são invisibilizados, marginalizados, agredidos, mortos. E o Estado dá o aval institucional para isso não é de hoje. Somos agredidos e mortos por sermos lésbicas e gays. Nossos filhos são agredidos e mortos porque somos lésbicas e gays. Mesmo se o Estado aprovasse o exato o oposto que este projeto de lei sugere, ou seja, estabelecer enquanto família também uniões formadas por pessoas do mesmo sexo, continuaríamos sendo mortos.
Um exemplo desta afirmação, é o casamento civil homoafetivo, por exemplo, legalizado no Brasil desde 2011, teoricamente reconhece, institucionalmente, "casais formados por pessoas do mesmo sexo de maneira equiparada aos heterossexuais". Com isso, de nada mudou o preconceito simbólico, material e institucional em relação à nós, gays e lésbicas. Continuamos morrendo mesmo podendo casar civilmente. Essa flexibilização também se deve a assimilação do Estado, do capitalismo, perante a nós, e especialmente aos interesses dos homens gays, ricos e brancos.

De maneira alguma o casamento homoafetivo é uma ferramenta revolucionária, mas é uma via que garante alguns direitos básicos, de acesso à alguns reconhecimentos necessários perante o Estado.
Entendo que o reconhecimento que pessoas do mesmo sexo possam formar uma família, e não apenas uma "união vitalícia" como o deputado autor do projeto propõe, é uma garantia BÁSICA E INQUESTIONÁVEL dos direitos BÁSICOS E INQUESTIONÁVEIS de qualquer pessoa, que deveria ser garantida pelo Estado, que deveria ser laico. Negar que podemos formar uma família, é colaborar e reificar com a violência que sofremos todos os dias - eu sempre vou fazer esse recorte: especialmente as lésbicas. Porque não sofremos "homofobia", sofremos LESBOFOBIA, que é somada à misoginia, também institucionalizada.
Negar que podemos formar uma família, é assinar assassinatos contra gays e lésbicas. Negar que podemos formar uma família, é assinar a agressão e assassinato contra nossos filhos. 
E pasmem: nós temos filhos. Inclusive muitas lésbicas e gays, tem filhos biológicos fruto de relações heterossexuais anteriores devido à coerção da heterossexualidade enquanto regime político. No caso das lésbicas, frutos de estupro. 

Reivindico minha união, composta pela minha namorada e meu filho, enquanto família. Não por acreditar que somos "equiparáveis a família heterossexual", porque não somos. Isso seria retirar todo o teor político e a função da família dentro do patriarcado e do capitalismo. Nós somos resistência. 
Essa reivindicação se deve "apenas" para termos o direito institucional de sermos reconhecidos, e nossos direitos de existir com dignidade minimamente garantidos. 
O direito de viver, sem sermos agredidas e agredidos por quem somos não virá assinado pelo Estado, não virá pela mão dos homens. Mas o MÍNIMO que podemos reivindicar de um Estado que SUPOSTAMENTE É LAICO, é que os interesses dos fundamentalistas religiosos não mais afetem nosso direito de existir.
Notoriamente, a aprovação massacrante desse projeto de lei ontem pelos deputados (que segue agora para o plenário da câmara), é um retrocesso, um absurdo que deve ser amplamente debatido, questionado e combatido. Isso como uma consequência de um senado conservador e fascista, como não se via desde a ditadura militar. Não é nenhuma surpresa muito grande que projetos assim seriam votados e aprovados

E acreditem: a direita está se organizando. A Igreja está junto. O papa pop que "perdoa mulheres que abortam", é influência e ativo nesta organização.
Vocês estão assinando mortes de pessoas. São "pró vida" de fetos, mas colaboram com a morte de mulheres todos os dias. São "pró vida" de fetos, mas depois de criança nascida, se for tutelada por pessoas do mesmo sexo, colaboram com a agressão e a morte desta crianças. 
Um argumento comumente usado na promoção da ideia de "família tradicional", é por supostamente visar "o interesse da criança". Fecham os olhos (de maneira bem conivente) para os abusos infantis, estupros e violências cometidas por homens heterossexuais que acontecem nas próprias casas de vocês, família comercial de margarina, mas colaboram com o assassinato dos nossos filhos e ainda fazem comparações absurdas de homossexualidade com zoofilia e pedofilia, como feita ontem na câmara, mais uma vez. Vocês não se importam com as crianças - aliás, essa "preocupação com o bem estar e direito das crianças" também é notoriamente seletiva, racista e misógina.

Vocês são um lixo.

Por Andressa Stefano

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