quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Das especificidades de se descobrir e assumir lésbica para uma mãe

A heterossexualidade é um regime político na sociedade patriarcal (que é mais específico que o conceito de "heteronormatividade"), portanto, é um fato de que é extremamente difícil para qualquer mulher se assumir lésbica quando somos condicionadas e obrigadas a nos relacionar com homens. Além de todo o processo de descoberta da própria sexualidade, quando nos assumimos lesbianas, estamos negando o acesso dos homens sobre nós, e isso é uma afronta ao controle sexual e reprodutivo patriarcal. Para as mães, se assumir lésbica é ter sua lesbianidade questionada de maneira bem específica, já que somos "marcadas" pela heterossexualidade pela maternidade compulsória. Ela está marcada no nosso corpo, nas nossas entranhas, e as nossas crias são uma prova material disso. Não é dada a oportunidade legítima de nenhuma mulher exercer sua sexualidade que não seja para consumo masculino, para as mães, tampouco, já que mães não devem ter vida sexual ativa, só para servir à família, e de forma bem específica, ao patriarca. A maternidade é construída por vários mitos que servem para naturalizar nossa exploração sexual e reprodutiva, e ser mãe, corresponde à um papel social ligado especificamente à ambientes domésticos e a família nuclear. 

A lesbianidade, é uma afronta e uma resistência à esse papel. Ser mãe e ser lésbica é conviver diariamente com essa existência totalmente marginalizada, invisibilizada e ser vista como uma incoerência ambulante. As vivências das mães lésbicas não são homogêneas, mas se encontram de forma parecida em vários momentos. Muitas das mães biológicas tiveram relacionamentos com homens, muitos dos quais duradouros e também abusivos, marcados pela repressão da própria sexualidade, da pressão familiar para manter uma "família tradicional" depois de ter engravidado, já que a figura paterna é vista como de suma importância, mesmo que seja ausente e/ou violenta. A solidão de uma mulher mãe, também colabora para que seja difícil enfrentar sozinha à maternidade e a lesbofobia.
Mães solteiras conhecem de perto o sentimento de abandono, de ser preterida em relações sexuais e afetivas (nem heterossexuais, nem lesbianas). Somos fetichizadas durante a gravidez, durante a amamentação e durante toda a maternagem. Além da fetichização, a romantização, esperam que sejamos maternas e cuidadoras inclusive com quem nos relacionamentos afetiva e sexualmente. Além do medo de sofrer lesbofobia por nós mesmas, temos medo de como a lesbofobia pode afetar nossos filhos e filhas - e isso pode ser ainda mais doloroso. Quando se é mãe e lésbica o alvo é duplo, porque podem machucar facilmente também a criança. Recentemente, um casal de lésbicas foi morto junto com seu filho no RJ, e crianças que tem mães lésbicas são alvos de chacota e violências físicas e psicológicas. E as escolas e os meios sociais, não estão preparados para lidar com uma criança que tem uma mãe solteira, muito menos uma mãe lésbica. Uma forma de nos atingir é atingir nossas crias - e este mecanismo é bem conhecido pelas mães também. As conversas com nossas crias tem que ser constantes, e o cuidado tem que ser redobrado. Não temos que nos preocupar somente como a lesbofobia pode nos afetar, mas como pode afetar nossas crias, e protegê-las (e também prepará-las e fortalecê-las) até onde está ao nosso alcance. 

Diante de tudo isso, muitas mulheres mães que sentem atração sexual e afetiva somente por mulheres, se veem obrigadas a manter relacionamentos heterossexuais para não ficarem sozinhas, para dar uma "figura paterna" para a criança, proteger a cria da lesbofobia e acabam suprimindo a sua lesbianidade por pressão social e um condicionamento violento. Agora de forma mais pessoal, vejo um potencial sapatão em tantas mães, mas que ficam presas ao ex-abusador ou a outros caras, e vejo muito destes motivos que explicitei neste texto colaborando para isso. De forma alguma a culpa é delas, mas gostaria de propor uma reflexão mais profunda sobre isso em grupos de mães, e também em grupos de lésbicas. No mais, sintam-se abraçadas todas você, mulheres mães.

Por Andressa Stefano

Nenhum comentário:

Postar um comentário