É preciso que haja um papel de
gênero reafirmado na sociedade para que exista a identidade de gênero, visto
que, para a Teoria Queer, existem papeis sociais designados a homens e mulheres.
Uma vez que alguém esteja “performando”
masculinidade, uma vez que alguém rejeite a sua vagina, uma vez que alguém aja
de forma máscula, uma vez que alguém se sinta incoerente ao seu gênero por tudo
o que foi citado, você passa a ser homem trans. Uma vez que você rejeite a
feminilidade, você passa a ser homem trans. E feminilidade não está só ligado à
vestimenta, mas também a comportamentos ditos intrinsecamente femininos, e uma
vez que você os rejeita, a teoria diz que você possivelmente está passando por
uma desconformidade de gênero. Ela te apresenta pontos que reafirmam a sua
disforia, ela não trabalha para que a sua disforia deixe de existir e nem
explica o porquê você poderia estar passando por isso. Ela quer reafirma-la
para te convencer de que você só está passando por uma desconformidade de
gênero, sem nem ao menos questionar o que você está passando.
Nós, mulheres, sofremos
gravemente com a misoginia internalizada. Desde que nascemos somos ensinadas
que é errado conhecermos nossas vaginas, que isso é impuro e pecaminoso. Somos
ensinadas a não conhecermos o que nos faz bem e agrada, e sim o que agrada o
outro. Somos ensinadas a odiarmos umas as outras, e assim aprendemos a também
nos odiar, uma vez que esse ódio entre mulheres é estimulado. E temos como um
aprisionamento a mais, o padrão de beleza, que também nos faz rivalizar. Este
nos ensina que a outra sempre será melhor do que você e por isso é uma ameaça,
e isso nos faz sentir inferiores à outra e logo nos sentimos péssimas conosco.
Olhamo-nos no espelho e não sentimos que fazemos parte daquele corpo, sentimos
que ele não nos pertence, que é errado. Odiamos o que vimos, pois fomos
ensinadas a odiar, odiamos o que sentimos, pois fomos ensinadas que somos seres
frágeis e passivos. Desejamos ser como o homem, que é um ser confiante,
coerente e racional. Desejamos ter as qualidades dele, que nos ensinaram que é
do homem, e não nossa. Odiamos o que
vimos, pois percebemos que não somos femininas, e vemos que quem não é como nós
é o homem. Este, por sua vez, retrata tudo aquilo que nos ensinaram que não
temos, e por isso o veneramos. Por isso nos odiamos, porque nos foi ensinado
que tudo o que somos é negativo, errado e supérfluo, e que tudo que vale a pena
está no homem. Então nós começamos a querer ser como o homem, nos espelhamos
nele, e acreditamos que já que não condizemos com o que nos foi ensinado, é
porque não estamos no corpo certo. Acreditamos que o fato de odiarmos nossas
vaginas, de querermos ter um pênis, é normal. É aí que a teoria queer entra e
te diz que isso é disforia e nos mostra a solução para isso reforçando ainda
mais os estereótipos de gênero. Nós não cogitamos o fato de que somos mulheres
que rejeitam a feminilidade, que rejeitam a passabilidade hetero, que rejeitam
o que nos foi ensinado como certo, que estamos questionando o que a sociedade
tem ensinado às mulheres como certo ou errado. Não percebemos que sentimos
vergonha de termos uma vagina porque nos foi ensinado a termos vergonha de
nossa vagina, não percebemos que admiramos o falo porque nos foi ensinado que
aquele é o órgão a ser venerado, e também porque a ele foi dado poder, pois é
com o falo que os homens conquistam o que querem. Ligamos o falo a tudo aquilo
que nos foi ensinado como sendo características do homem, que são
características de poder e dominância, e ligamos a vagina a todas as
características que nos foram ensinadas como sendo da mulher, que são
características que nos ensinaram que são fracas, sem sucesso, que não levam a
lugar nenhum.
Isso nada mais é do que a
reafirmação de estereótipos de gênero. Para existir um transexual, é necessário
que exista também um estereótipo de gênero que o permita imitar e, assim,
dizer-se daquele gênero. Isso valida a existência de mulheres trans, pois estas
performam a perfeita feminilidade, reforçam o mais concreto estereótipo de
gênero. Isso faz com que mais lésbicas, principalmente as butches, se sintam
incoerentes com o seu gênero simplesmente por não performarem a feminilidade,
por terem misoginia internalizada.
Isso também dá margem para o
apagamento lésbico. Uma vez que esteja confirmada a existência de mulheres com
pênis, vulgo mulheres trans, também se exige de lésbicas que se relacionem com
tais mulheres. Entretanto, um relacionamento lésbico é composto de duas
mulheres com vagina, cujo sexo não inclui um pênis, e cujo afeto é de mulher
para mulher. Um relacionamento entre mulheres difere-se de um com homens não só
no âmbito sexual, mas também no emocional e afetivo. Homens são socializados
para dominar, para fazerem de tudo para conquistar, não aceitar um não como
resposta, para convencer, enganar, para acreditarem que podem ter tudo o que
querem. Ou seja, homens agem de acordo com o que querem sem pensar na
companheira, e é exatamente isso que homens fazem no queer. Estes se dizem
mulheres e aproveitam dessa nomeação para coagirem lésbicas a se relacionarem
com eles, e caso elas neguem, não tachadas de transfóbicas e genitalizadoras.
Mas, afinal, ser lésbica não é se relacionar com outra mulher? Porque então uma
lésbica deveria desejar relacionar-se com alguém que é “mulher” e possui pênis?
“Mas existem mulheres trans que
foram operadas, Papo Reto no Brejo. E agora, hein?”
Essas pessoas foram socializadas
como homens, e elas (essas pessoas) continuarão a ser homens. Tendo ou não mais
o falo, a socialização continuará existindo. O fato de não terem mais o falo
não muda o fato de que essas pessoas ainda possuem poder sobre a mulher, que
ainda possuem privilégios na sociedade, pois até uma “mulher trans” é mais
respeitada do que uma mulher, mulher mesmo. Basta ver o quanto é falado de
mulheres trans, o quanto elas têm voz no movimento feminista, mais voz até do que
as próprias mulheres, mulheres mesmo. Inclusive elas possuem o poder de
reivindicar que uma lésbica fique com elas. Deve ser porque foram pessoas
socializadas como homens e ensinadas que um não nunca é não e nunca deve ser
respeitado. Ou seja: são homens, tendo um falo ou não.
“Mulheres trans” também podem
reclamar quando uma mulher fala de seu útero, menstruação, quando ela diz amar
a sua vagina ou quando está passando por algum momento difícil e reclama.
“Pelo menos você tem útero.”
“Você está sendo genitalizadora.”
“Pare de falar de vagina, isso é
genitalizador”
“Lá vem ela falar de menstruação.
Eu não menstruo, isso é acionador para mim, sabia?”
As mulheres continuam não tendo
espaço para falarem de si mesmas. Lésbicas continuam não tendo espaço para falarem
de suas vivências e corpos, o que faz com que cada vez mais mulheres estejam se
conhecendo menos e se odiando mais e sendo cada vez mais levadas para dentro do
queer, sendo ludibriadas por uma teoria apagadora que as fará acreditar que são um
homem, que as levará a normalizar a repulsa que sentem por si mesmas.
É necessário que as lésbicas
deixem de ter medo de falar de si mesmas, de suas vivências, que deixem de se
colocar em segundo plano e deixem de se anular por homens que dizem serem
mulheres e que as levam a acreditar que seus corpos e vivências não importam
tanto quanto o corpo e vivências deles. É necessário que lésbicas deixem de
cair na armadilha queer, que deixem de ter medo de questionar, que ouçam menos
o que o queer tem a dizer. É necessário desconstruir os estereótipos de gênero,
e não reafirmá-los. Você não é um homem, sapatão. Você é mulher. Você é
lésbica.
Por: Lacuna Rat
Por: Lacuna Rat
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